terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18218: Historiografia da presença portuguesa em África (107): Alfa Moló (c 1820-1881) e Mussá Moló (1846-1931), heróis de todos os fulas, tanto dos fulas-pretos (antigos servos) como dos fulas-forros (antigos senhores), uns e outros oprimidos pelos mandingas (Cherno Baldé, Bissau)




Mussá Moló, tendo à sua direita Dembá Dançá, e à sua esquerda Maransará, chefe-de-guerra deste último (in Francis Bisset Archer, The Gambia Colony and Protectorate. An Official Handbook, London, 1906). [O Cherno Baldé leu mal a legenda: a foto não é do Alfa Moló mas do filho, Mussá Moló].

Cortesia de Armando Tavares da Silva (2018)

Comentários do Cherno Baldé ao poste P18216 (*)
Cherno Baldé, Bissau

1. Caro amigo Armando: Muito obrigado pelos importantes subsídios para a história da Guiné. Obrigado, também, pela imagem do lendário Alfa Moló Baldé [, não, trata-se do Mussá Moló].

Dizem que o seu apelido original [do Alfa Moló], antes do cativeiro, seria Culubali. O Baldé era o apelido do seu Senhor e Suserano que ele foi obrigado a adoptar, como se fazia na época. Para quem não sabia, é isto que explica o número elevado de famílias "Baldé" no antigo território por eles governado, onde a maior parte eram descendentes de antigos captivos. "os fulas-pretos".

O Demba Dança, ou Dansa, era irmão mais novo e herdeiro legítimo do irmão Alfa Moló Baldé, facto que a administração colonial não compreendia na altura, tomando-o por um simples aventureiro, arruaceiro.

O Mussa Moló era o filho, pelo que, de acordo com os usos e costumes da época, devia esperar até chegar a sua vez. Não quis e usurpou o poder no meio de muita guerra e intriga palaciana, entre fulas-pretos, fulas-forros, futa-fulas, mandingas em decadência, beafadas e potências estrangeiras. [Morreu em 1931]

2. Caro Luis, duvido que encontres o topónimo Cabucussara. Deves ver o Cabu na persprctiva de Gabu e Cussará poderia ser a actual Cossaraá (Regulado de Bafatá) ou Gussará. Assim Cabucussara deveria ser Cossara ou Gussara do Gabu ou Cabu em mandinga.

Gostei imenso de ler estes textos e os mapas da época apresentados por Armando T. Silva. Espero ver um bom trabalho da história da Guiné contada, desta vez, pela voz de quem conhece.

3. Como se costuma dizer, uma imagem vale mais do que muitas palavras. A imagem do (Alfa) Moló Baldé corresponde bem ao que ouvimos dos nossos pais e avós, de um homem simples que, certamente, estava imbuído do alto espírito e designo de libertar os fulas da opressao insuportável a que estavam sujeitos pelos mandingas durante séculos. Não tinha ambicoes imperialistas.

A sua ligação ao Futa-Djalon é atestado pelo título que recebeu: "Alfa" quer dizer Chefe de Província, um pouco abaixo do titulo imperial de " Almame" que estava reservado ao Chefe teocrático do Futa, o Ibrahima Sory Maudo e seus sucessores.

Já o seu filho, Mussa Molo, era mais ambicioso e em consequência, mais belicoso. Todavia, os tempos tinham mudado e, na região. tinham chegado os Europeus que teriam a sua palavra a dizer no contexto da região, da África e do mundo.

4. Após consulta a alguns sites na Net, constatei que a foto que acompanha o texto não é o de Alfa Molo, mas o de Mussa Moló, seu filho.

O Alfa Molo ou Molo Egué (nome original) não teria feições tão finas e bonitas como o Mussá Molo. Pois que este último tinha nascido da união de seu pai (Molo Egué) com a Cumba Udé, filha do seu Senhor que era fula-Forro.

Também a data que consta na foto (1913) indica claramente que não poderia ser o pai pois este morreu em 1881 na localidade de Dandum Cossara que ele escolhera para capital do império de Fuladu e que se estendia entre as bacias dos rios Geba e Gâmbia.

Dandum Cossara ou Gussara situa-se a cerca de 15 km a nordeste de Bafatá, na Estrada antiga que ligava Bafatá a Contuboel. Estou convencido que o tal topónimo de Cabucussara seria a junção de duas palavras ou seja Cabu+Cussara e há fortes probabilidades de estar ligado com a história do actual regulado de Cossara ou Gussara.

Quanto ao conteúdo do titulo de que o Alfa Moló e seu filho seriam heróis dos fulas pretos, acho que não é bem assim, eles ainda hoje são considerados como os heróis de todos os fulas, sejam eles Forros (antigos senhores), sejam Pretos (antigos servos), na realidade todos eles eram servos dos mandingas e foi contra estes que todos os Fulas se reuniram para acabar, aparentemente, com os seus abusos de poder.


A propósito destes heróis Fulas, Amílcar Cabral, no livro da “História da Guiné e as ilhas de Cabo-Verde, diria assim: "...sempre que os africanos se levantaram para lutar e libertar os seus irmãos da dominação e da tirania dos outros, acabaram por se transformar ainda em maiores tiranos e continuar a oprimir os seus próprios irmãos".

Ironia de destino, o movimento de libertação que o próprio criou e dirigiu, o PAIGC, acabaria por se transformar na pior de todas as tiranias que os nossos povos jamais conheceram e, ainda hoje, continuamos a ser reféns da ditadura militar que nos impuseram e para a qual não encontramos saída.

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9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Amigo Cherno,

[repito aqui o comentário já feito no P18216]

Muito obrigado pelos comentários e interessantíssimas achegas ao meu texto.
Algumas correcções e novas informações.

A imagem não é do Alfá Moló, mas de seu filho Mussá Moló. Será anterior a 1906, ano da edição do livro em que foi publicada pela primeira vez.

Não me parece correcto que se possa dizer qua a administação colonial não reconhecia Dembel (é esta a grafia usada nos textos oficiais) – Demba Dança (?) como legítimo herdeiro do irmão Alfá Moló (Baldé).
Em Junho de 1882, Dembel Alfabacár apresenta-se no presídio de Geba, cujo chefe era o tenente Vicente Emílio Sant’Elyces de Lima, acompanhado dos grandes da sua tabanca (Ioró-Buli, Sam-Manhó, Fá-Cabá) e na presença dos régulos Ambucú e Mouro Sory, declarando que tendo falecido seu irmão, o régulo Moló, o substituía no governo, e que, tendo seu irmão um tratado de amizade com o governo português, também ele o desejava ter e por isso lhe prestava obediência. Assim, a 30 de Junho desse ano de 1882, é lavrado no presídio de Geba um auto de paz entre esse régulo e as autoridades portuguesas: “Tratado de paz, amisade e obediencia celebrado entre o régulo fula preto do Indorná Dembel Alfabacár e o governo da provincia da Guiné Portugueza” (Está publicado no Boletim Oficial da Guiné Portugueza, n.º 26, 15 Julho 1882, p. 104).
Existem relatos do correrias de fulas-pretos capitaneados por Densá, que era filho do régulo Dembel, numa das quais terão sido aprisionados todos os cristãos, correrias estas que já estavam a causar dissidências entre os próprios fulas-pretos. Será àquele que Marques Geraldes irá ordenar a entrega dos dez cristãos aprisionados (faltavam, contudo duas mulheres que tinham sido enviadas para o Indornal, o que irá dar origem a nova diligência de Marques Geraldes – e de que falaremos em altura oportuna).
Mais tarde, em 1887, na tentativa de pôr termo às correrias que Mussá Moló vinha praticando, o secretário-geral do governo, Augusto Cesár de Moura Cabral, desloca-se a Farim para obter de Mussá Moló um outro tratado que lhes pusesse fim. Este terá sido realizado a 4 de Abril, mas, sujeito a muitas críticas, o governador interino que lhe sucede no governo, Eusébio Catela do Vale, não lhe irá dar crédito, considerando que tal tratado não devia ser aceite pois o “responsável imediato” perante o governo era o régulo Dembel, tio de Mussá.

Abraço

Armando Tavares da Silva

Abílio Duarte disse...

Que confusão. Como é que eu, e os meus camaradas, em 1969 após 500 anos de colonialismo, os serviços administrativos e militares não sabiam, quem era quem. Quando da formação, da CART./CCAÇ.11, apareceram todas aquelas pessoas em Contuboel, para nós eram todos Guineenses, ao darmos as primeira aulas, verificamos que não eram todos iguais, e alguns nem aceitavam estar em conjunto.Mais uma carga de trabalhos.Com tantas divisões na sociedade guineense, de facto o que lá estávamos a fazer?

Anónimo disse...

Talvez a tentar unir...
ATS

Luís Graça disse...

Os guineenses têm hoje uma forte identidade nacional, e isso viu-se em 1998 quando pegaram em armas contra os "mercenários" senegaleses que apoiavam o 'Nino'... Tenho pena que as autoridades portuguesas na época, em finais do séc. XIX, princípios do s+ec. XX, não tenham conseguido segurar Casamança, face às "pressões imperialistas" dos franceses... Troca por troca, ficámos a perder, e sobretudo os guineenses de hoje e os habitantes de Casamança (pnde há uma guerra civil endémica)...

A África retalhada a régua e esquadra é das coisas que mais me dói... O mesmo aocnteceu, infelizmente, com a velha Europa...Veja-se o que se passa aqui ao lado, com o conflito entre Madrid e Barcelona, que está para durar...E oxalá a tendência não seja para a "implosão" da Europa, com as regiões ricas contra as pobres...

Antº Rosinha disse...

O que se nota na Guiné Bissau, é um enorme respeito entre as diversas etnias.
Pelo menos visto de fora por estranhos, é uma coisa que se nota haver esse grande respeito entre si.
Haverá algumas franjas, que têm mais dificuldade em se integrarem nacionalmente, mas a maioria mantêm uma convivência aparentemente muito saudável.
Outros países têm bem pior relacionamento étnico, casos Nigéria, Uganda, os Congos, Serra Leoa, a maior parte dos países orientais de África, como vemos na TV constantemente
Angola que vivi um bocado por dentro, sei que há tribos em que um cidadão isoladamente não se aventura a ir "passear nos domínios de outra tribo.
Lá em Angola as tribos têm os seus domínios bastante delimitados.
Com a guerra de 30 anos a ferro e fogo, talvez aquilo tenha ficado um tanto baldeado.
Na Guiné matam-se, mas são os grandes uns aos outros, apenas.

Luís Graça disse...

Tanto as forças armadas portuguesas como o PAIGC acabaram por ser (ou precipitar) um !caldo de cultura" que ajudou a reforçar o sentido de pertença a um território, uma nação, um chão mais vasto do que o da tabanca onde se nasceu... jÁ existia antes de Spínola, mas acelerou-se com ele, com a criação da "nova força africana": companhias de caçadores, mas também destacamentos de fuzileiros e outras tropas especiais como os comandos africanos... Parece que originalmente usava-se o critério étnico, o "chão", para fazer subunidades etnicamente "homogéneas"... A minha CCAÇ 12 era disso um exemplo: composta por soldados do recrutamente local, dos regulados de Badora e Cossé, fulas... Mas depois começou a incorporar gente outras origens: recordo-me, ainda no tempo, de um macanhe de Bissau, o Vitor Sampaio, muito "reguila", um ou outro mandinga... E no final, em 1974, já devia ser uma grande misturada...

Já a CCAÇ 13 (, do Carlos Fortunato), era mais heterogénea: tinha balantas, felupes, fulas...

Também o PAIGC juntava cristãos, animistas e muçulmanos: ora essa "coexistência" só podia reforçar a "guineidade"...

É um caso, não sei se é único, mas é de exaltar, a atual coexistência pacífica de tantos grupos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau... Não sei como vão os "casamentos mistos", mas é vulgar encontrar casais de diferentes origens étnicas... A vantagem da Guiné é também a de ser um território de pequena dimensão...

O mesmo aconteceu com os portugueses europeus, quando passaram a ter, a partir dos anos 50/60, a sair dos sítios onde nasceram e a ter maior mobilidade... Até então era "mais natural" que um alentejano se casasse com uma alentejana, um transmontano com uma transmontana, um lisboeta com um lisboeta...

Cherno Balde disse...

Caros amigos,

"Que grande confusao" diz o veterano Abilio Duarte (oh Luis, afinal qual eh o Abilio Duarte que faleceu em 2017? Ou ele ressucitou?).

Para o ATS, tentava-se unir as diferentes etnias...

De facto, o Luis e o Rosinha resumem a situacao da Guine-Bissau, parece que ha divisoes, mas a africa eh assim mesmo (pelo menos nesta parte ocidental) parecem diferentes, mas no fundo sao a mesma coisa e sobretudo conseguiram sempre adaptar-se e conviver. Os vencedores recebem os vencidos e assimilam-se a eles, atraves de matrimonios e mudancas de nomes ou apelidos.Tudo eh real e tudo eh aparente e as divisoes tambem.

Sou de opiniao de que se nao houvesse a intromissao dos Europeus, no decurso dos sec. XIX e XX, grandes nacoes africanas ja estariam consolidadas. Ainda assim, sempre subsistiriam diferencas e focos de tensoes, como acontece em outras partes do mundo. Eh proprio da natureza humana e da construcao social e politica dos homens.

Caro amigo Armando Tavares, a situacao no Nordeste Guineense era muito complicado com toda a panoplia de Chefados e Regulados a volta e ainda as guerras interetnicas. Seria mais correcto considerar o Alfa Molo e seus descendentes como reis que, de facto, ja eram, pois depois vinham os Regulos que nao eram a mesma coisa, pelo menos nao queriam ser tratados da mesma forma.

Por exemplo o Mbuku ou Umbucu podia ser um Regulo porque, na verdade, ele regia um pequeno territorio e dependia do Rei de Fuladu, Alfa Molo na ocorrencia. Mas eh sabido que tanto a administracao como o proprio Regulo de Ganadu isso nao lhes interessava, claro, eh isso que provocava toda aquela correria das populacoes de um lado para o outro.

Os Regulos fulas, em geral, nao aderiram a luta de libertacao porque consideravam prematuro e completamente descabido correr com os portugueses e a sua administracao, porque inteligentes e experientes como eram, reconheciam a importancia dos colonialistas como garante na gestao dos conflitos interetnicos e outros de diferente indole bem como a transmissao de tecnologias que os tornavam superiores no plano tecnico e militar. O PAIGC assim nao entendeu.

Um abraco amigo a todos,

Cherno Balde

Anónimo disse...

As minhas sinceras desculpas ao Abilio Duarte, pois confundi-o com o Aurelio Duarte, ainda bem, longa vida ao Lacrau de Paunca.

Onde no

Luís Graça disse...

Cherno, fizeste realmente confusão... Há aí uma troca de nomes: Aurélio e Abílio Duarte... Têm o mesmo apelido. Ambos eram furriéis, da CART 11, os "Lacraus"... Estive com eles em Contuboel, em junho/julho de 1969... Foram eles que deram a recruta aos meus/nossos soldados da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do recrutamento local, que eram fulas de Badora e Cossé, como tu sabes... Recordo a evocação aqui do Aurélio Duarte, feita pelo "lacrau" Valdemar Queiroz.

Mantenhas, LG

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Data: 18 de agosto de 2017 às 18:46

Assunto: Morreu o Aurélio Duarte

No passado dia 15 de Agosto morreu o Aurélio Duarte. Quando dava o seu passeio habitual foi fulminado por um ataque do coração. Desta vez o seu coração não aguentou.

Morreu mais um rapaz que esteve na guerra na Guiné.

Morreu o amigo e sempre bem humorado ex-furriel miliciano Duarte, natural de Coimbra.

Foi dos primeiros a chegar à guerra na Guiné, muito dias antes da chegada do resto do pessoal da CART 2479 e foi o dos últimos a regressar à sua terra (fez parte da 'secção de quarteis').

Foi o Aurélio Duarte que levou na sua bagagem discos do Zeca Afonso, Adriano, Fanhais e outros mais.(*)

Eu nunca me esquecerei do Duarte, quando estivemos em Canquelifá. Meteu 'bioxene', matrecos, golpes de judo e braços partidos (o braço dele). Inesquecível. (**)

É uma chatice morrerem os rapazes que estiveram na guerra na Guiné.

Nunca mais o ouviremos o Aurélio Duarte, de Coimbra.

Nunca mais ouviremos ele dizer esfuziante um... EFERREÁ!!! EFERREÁ!!! NÃO VAI NADA , NADA, NADA.???.

Nunca mais ouviremos ele dizer o delicioso poema 'Quando a corte de D. João VI chegou a Paquetá, tudo servia de pretexto para criticar certa mulata que havia lá' (**)

Morreu o Aurélio Duarte, de Coimbra.

Vamos ter muitas saudades.

EFERREÁ, EFERREÁ, EFERREÁ !!!!

Valdemar Queiroz
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2017/08/guine-6174-p17683-in-memoriam-302.html