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quarta-feira, 10 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25364: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIV: Foi pela rádio, a BBC e outras emissoras, que a malta ouviu a notícia do golpe de Estado em Lisboa... Uns em Bissau, outros em Bissorã, Canssissé, Guidaje, Xitole...


Guiné > Região de Tombali > Sector S2
(Aldeia Formosa) > Nhala >  2ª C/BCAÇ 4513
(Nhala, 1973/74) >  23 de Abril d
e 1974 > A última 
visita do Com-Chefe a um quartel no mato.
Foto (datalhe): António Murta  (2014)

1. Foi a BBC,  mas também   outras emissoras, estrangeiras ou nacionais, que deram as primeiras notícias do golpe de Estado que estava em curso, em Portugal, na madrugada do 25 de Abril de 1974. 

E foram naturalmente os nossos camaradas de transmissões os primeiros a aperceber-se de que algo estava a acontecer, "de anormal", em Lisboa... 

Na manhã de 26 de Abril de 1974, o gen Bettencourt Rodrigues seria destituído do cargo de governador e comandante-chefe e enviado para a Metrópole.(*)

Na nossa série "No 25 de Abil de1974 eu estava em...", temos cerca de 3 dezenas de depoimentos, com relatos, em primeira mão, e na primeira pessoa, do alvoroço que a notícia provocou  nos aquartelamentos do CTIG...


(i)  José Zeferino, ex-alf mil, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74)


(...) Xitole – 25 de Abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas:

– Zefruíno, alferes Zefruíno!!!

Era o Jamil, comerciante libanês com grande influência política, social e económica, tanto na Guiné como na restante família, árabe, dispersa por três continentes.

Estávamos a iniciar mais um patrulhamento, a dois Gr Comb, talvez à zona do Duá.

Na varanda da sua casa, tipo colonial, claro, estendiam-se fios de antenas que acabavam num rádio antigo, de válvulas, por onde estava a ouvir a BBC em árabe.

Diz-me:

– Zefruíno, o... (não me lembro, ou não quero, das palavras exactas) do Spínola está a fazer uma revolta.

O Jamil tinha tido um contencioso com o general Spínola: tinha querido transferir as suas casas de comércio na zona, para Bissau, no que foi impedido pelo general. Era uma base de apoio para as nossas tropas e para a população.

Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa.

Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. (...) (**)


(ii) Américo Marques (ex-sold trms, 3ª CART / BART 6523, Nova Lamego, Junho de 1973/ Setembro de 1974)

(Excertos do seu depoimento recolhido por telefone, em abril de 2007: na altura, ele era técnico de higiene e segurança no trabalho, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo; na falta de uma foto do Américo Marques, um dos histórios do nosso blogue, reproduz-se à direita a imagem da igreja de Nova Lamego) (*)

Confundido e baralhado...

(...) A 3ª CART do BART 6523, estava colocada em Nova Lamego, enquanto ele foi destacado com um grupo de combate (25 homens) para Cansissé, a sul de Nova Lamego, a uma hora de caminho do Rio Corubal.

Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior.

Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…

Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Foi logo informou os seus camaradas. Foi um alvoroço.

A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns “esquerdistas” (sic), até então muito caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordens, a fazer reuniões... A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os "comités de soldados" (sic) que tomavam iniciativas. (...) (***)


(iii) João Dias da Silva, ex-alf mil op esp, Guidaje,  CCAÇ 4150 (1973/74)


(...) 25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um Golpe de Estado Militar, em Lisboa.

Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do Com-Chefe (gen Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos (...) (****)


(iv) Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Agrupamento de Transmissões (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)

(...) Após grande agitação no Agrupamento de Transmissões, uns dois ou três dias imediatamente anteriores ao 25 de Abril de 1974, por parte de alguns oficiais que perguntavam com frequência se tinha vindo esta ou aquela mensagem, acordámos todos, os que não estavam de serviço, com a certeza de que algo se tinha passado na noite de 24 para 25 de Abril de 1974.

O nosso comandante, à data tenente-coronel, Mateus da Silva, tinha substituído interinamente o então Governador e Chefe Supremo da Forças Armadas Bettencourt Rodrigues. Esta situação manteve-se durante e até à chegada do Coronel, graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião. (...)


Foi este o nosso despertar, no Agrupamento de Transmissões, no dia da revolução dos cravos. (....) (*****)

(v) Henrique Cerqueira (ex- fur mll, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)


(...) Tinha ido eu com o nosso grupo de combate no dia 24 de abril de 1974 fazer mais um patrulhamento para a zona situada entre Bissorã e Biambe, o qual se prolongou por toda a noite e felizmente sem qualquer acontecimento a assinalar. Pese embora a nossa guerra noturna com os mosquitos tudo correu com normalidade. 

Pela manhãzinha foi a hora de regressar ao aquartelamento e,  como era normal,  a malta quando chegava a Bissorã dava uma passagem pelo bar dos Sargentos tanto para saciar a sede como para depositar o armamento mais pesado, pois que era nas traseiras do bar que havia a arrecadação de armamento.

Então nós nos deparamos com toda a malta junto de um pequeno rádio a ouvir notícias da BBC sobre os acontecimentos na Metrópole. Lembro-me que na altura se encontrava lá um elemento da PIDE/DGS e não se cansava de ameaçar o pessoal por estar a ouvir as ditas notícias (mal ele sabia o que o esperava).

Toda a gente ainda incrédula com a possibilidade do fim da guerra,  mas mesmo assim foi como se nada mais importasse e, a partir daí, começou logo a rolar cerveja a festejar. Eu até esqueci as ferradelas dos mosquitos da noite passada no mato.

Bom, depois de já convencido das mudanças na nossa política e com o fim á vista, lá me dirigi a casa onde me esperava a minha mulher e filho (pois que ambos viviam comigo em Bissorã) e dei a novidade, o que foi recebida com alguma incredulidade. É que dias antes tinha sido avisado que, devido ao agravar da guerra na Guiné, teria que mandar embora a família para a Metrópole que até já estaria um navio em Bissau de prevenção para a evacuação dos civis. (...) (******)



(****) Vd. poste de 14 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (3): Guidage (João Dias da Silva, ex-alf mil op esp,, CCAÇ 4150, 1973/74)

(*****) 22 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (6) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

(******) Vd. poste de 25 de abril de  2013 > Guiné 63/74 - P11470: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (17): Bissorã, a ouvir as notícias da BBC, depois de regressar, de manhã, de um patrulhamento noturno (Henrique Cerqueira, Bissorã)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20554: Questões politicamente (in)correctas (50): as grandes desmatações à volta de aquartelamentos construídos de raiz como Mansambo, e ao longo da rede viária, com o apoio das populações às NT (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Não sabemos que são os tipos de chapéu colonial, assinalados com um círculo a vermelho: os da direita, junto a militar de Mansambo em tronco nu, podem ser ser cipaios, da polícia administrativa ou até adjuntos do régulo de Badora... Junto à viatura, de calção, pode ser o condutor... Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada >  Tropas, a montar segurança,  e civis, capinadores, na estrada Mansambo - Bambadinc. À esquerda, um homem, ocm cabeça colonal, que pode estar a enquadrar os civis e que poderia ser um "cipaio" (polícia administrativa).

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá Sector L1 (Bmabadinca) > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, que foi construído de raíz pela CART 2339 (Mansambo, 1968/69).  À volta foi tudo desmatado. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. 

"Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" ( Carlos Marques dos Santos, 1943-2019)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]© 



1. Excerto do poste P9541 (*), da autoria do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), que participou tanto na Op Lança Afiada como na Cabeça Rapada. e que infelizmente por razões de saúde tem estado afastado do nosso blogue e do nosso convívio:


Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não. Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [, na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

(i) dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969];

(ii) mostrar que as populações estavam com as NT;

(iii) fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: 
- Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro de 1969 [, de regresso a casa].

2. Em comentário ao poste P9541 (*) , o nosso amigo e camarada Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe  e Bissorã, 1972/74; vive no Porto] disse o seguinte:

Camarada Torcato:

A simplicidade do tema é na realidade um grande aglutinador das nossas lembranças.

Tambem participei em proteções a grandes grupos de capinadores na região de Bissorã. E apareciam civis aos magotes, pois pudera, o dia era pago pelo Estado Português.embora que em géneros (arroz).

Na realidade a capinagem dava segurança quando estavámos no quartel e quando regressavamos. Mas, quando tínhamos que sair em patrulhamentos,  que era quase sempre ao caír da noite, eu só me achava seguro depois de nos embrenharmos no mato.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

(**)  Último poste da série > 12 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?

terça-feira, 11 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17567: Inquérito 'on line' (121): O aerograma ?... "Era rápido mas não seguro" (José Brás)... "Acabou por justificar a existência do Movimento Nacional Feminino" (António J. Pereira da Costa)... "A malta chegava a solidarizar-se e fretar a avioneta civil para trazer o correio" (Henrique Cerqueira)



Foto nº1


Foto nº 2


Guiné > Região do Oio > Farim > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >

Foto nº 1 > Viagem de avioneta civil, até Bissau, para gozo de licença de férias na Metrópole. O Luís Nascimento é o mais alto, o segundo a contar da esquerda Não se consegue distinguir o logo do saco de viagem: se era o logo da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, se era o da TAGP - Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa (voos internos). Mas devia ser da TAP, vi um exemplra, no  sábado passado no núcleo museológico da Tabanca dos Melros, oferta do nosso camarada Carlos Silva.

Recorde-se que a 2 de setembro de 1965 foi criado o serviço autónomo Transportes Aéreos da Guiné (TAG), visando a exploração dos transportes aéreos de passageiros, carga e correio naquela província ultramarina. Na realidade foi a criação da primeira companhia aérea da Guiné. O seu nome será posteriormente alterado para Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa (TAGP).

Foto nº 2 > Aqueles que se podiam dar ao luxo de uma escapadela até Bissau, ou gozar um mês de licença para férias (em Bissau ou na Metrópole), esqueciam,  por uns tempos, a dura e obscura vida no mato... Dura e obscura mesmo para um 1º cabo cripto, que mal podia ser sair do quartel e não era operacional... Na foto, o Luís Nascimento na "esplanada (sic) do centro cripto", escrevendo uma carta ou mais provavelmente um aerograma... O correio era tão importante que houve companhias que, em caso de atrasos excessivos, chegaram a fretar as avionetas dos TAGP... (*)

Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais comentários sobre o SPM e o areograma (**)


(i) José Brás


Em Medjo, eram semanas! Ir de Medjo a Guiledje não era coisa que apetecesse, sobretudo quando o DO27 voava à vertical de Medjo abanando a asas. A mensagem dele nessa manobra não era lida apenas pela nossa tropa. o complexo de Salancaur ficava a "meia dúzia de passos" e havia ainda Xim-idari e outras aldeias no Corredor ainda mais perto de nós. Não conto aqui uma maluqueira de "uma vez", porque...

Quanto a mim o aerograma era tão rápido e tão seguro como o outro correio e, dadas as circunstância, sempre o achei rápido mas não seguro

7 de julho de 2017 às 08:27


(ii) António J. Pereira da Costa 


O Mê-Nê-Fê [Movimento Nacional feminino] aparece muitas vezes ligado aos aerogramas.
Contudo, se o respectivo transporte era uma "oferta" - justa e lógica - da TAP aos soldados de Portugal, a produção e distribuição dos aerogramas poderia ter sido feita por outra entidade, nomeadamente pela cadeia logística do Exército.

A rede do Mê-Nê-Fê era pouco densa, pelo que os aerogramas eram distribuídos pelas Juntas de Freguesia e entidades similares.

A "distribuição" de aerogramas era um maneira do Mê-Nê-Fê se sentir útil...

7 de julho de 2017 às 09:34


Havia a experiência da I Guerra Muidial em que o correio não funcionou assim tão bem... e com más consequências.Além disso o governo do tempo,  num dos seus (raros) momentos de lucidez,  descobriu que, sendo o correio um dos grandes sustentáculos do moral das tropas, se não o principal, não quis comprar uma fonte de revolta que não lhe daria popularidade.

E, no fundo, não era uma coisa que onerasse a guerra que era preciso embaratecer, especialmente através das PPP do tempo, a maioria delas retribuídas em género e não em dinheiro.

O Mê-Nê-Fê... associava-se,  justificava a sua existência.


8 de julho de 2017 às 09:57


(iii) Henrique Cerqueira

Na verdade até que o SPM funcionava muito benzinho , talvez melhor (olhando ás condições na época) que hoje,  pelo menos aqui na minha zona.(refiro-me à distribuição dos CTT ).

Reconheço também que o Estado da altura preocupava-se que não faltasse certos apoios "morais" e materiais aos militares destacados nas guerras do ultramar.

Dou o exemplo: tabaquinho, cerveja,whisky, comprimidos LM e o correio... Fosse de avião (DO 27) ou por coluna militar, o correio era das coisas mais indispensáveis em qualquer aquartelamento. Poderia haver fominha de certos alimentos,mas o correio não podia faltar nem que para isso a malta se solidarizasse e fretasse avioneta civil [dos TAGP]] .Era assim que funcionava na minha companhia do Biambe em 1972.

Assim sendo e com todas as condicionantes da altura o SPM era um bom serviço prestado às nossas tropas.

7 de julho de 2017 às 10:12 

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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 10 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17565: Inquérito 'on line' (120): Mesmo com ficha na PIDE/DGS, nunca me inibi de escrever cartas e aerogramas, sem autocensura nem receio de represálias... E foram mais de 300!... Contei, a quem gostava, tudo o que acontecia no CTIG no meu tempo (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)


"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à Coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332.Guardo-o religiosamente comigo..." (*)

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro  Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego.  Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho.


Carta


José Casimiro > Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



Aerograma


José Casimiro > Guileje, 22/4/1973

Meu querido pai: Hoje foi um dia de fartura cá no Guileje, recebi nada mais nada menos do que 10 cartas, uma das quais era uma que eu tinha mandado à avó, e que foi devolvida, pois não existe o nº que me disseram, no Largo das Fonsecas. Adiante...

Pai, recebi as "cacholas", até dá para gozar. Recebi o salpicão - estava uma delícia. Quando eu chegar aí, não deve haver peixes no rio nem nomar. Quanto a a fotos de pretas [, desenho de um corpo  feminino parcial.], eu já tinha arranjado, e mandei os rolos para Cufar, para o irmão da Ana levar aí a casa, mas ele não pôde ir de férias, e vai mandar aqui para Guileje, e eu mando para Bissau, pois aqui já não revelam

Quando puder mandar rolos, mande. A Olinda (Montijo) tem-me escrito. A mãezinha que gaste  do meu dinheiro para remédios, é um desejo meu que gostava que fosse cumprido, ok ? Retribua os cumprimentos à D. Elisa e família. Mando-os também para todos os vizinhos com que eu me dava bem. Para todos em casa um grande beijo (A BIG KISS) [, desenho de uns lábios]. Sempre vosso,  J. Casimiro.



Carta


José Casimiro > Gadamael, 26/6/73


NOW WE HAVE PEACE [, em inglês, finalmente temos paz]

Minha querida mãezinha:


É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana, até ando mais feliz, pois embora não quisesse, ela não me saía do pensamento, pois gosto muito dela.

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B[anco] B[orges]. & Irmão.

 Um beijo para ser dividido igualmente entre todos, do militar J. Casimiro.


[Na vertical, na margem esquerda: Pax, Now we make love not war [Paz, agoramos fazemos amor e não guerra; na margem direita, PAZ]


1. O ex-fur mil op esp José Casimiro Carvalho [. foto à direita, c. 1973[, com residência na Maia, confiou-me, no I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de outubro de 2006), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o abandono de Guileje pelas NT. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre dezembro de 1972 e maio de 1973.

Depois do regresso à metrópole, em 1974, ele entrou para Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (BT/GNR),  primeiro como soldado e depois como agente patrulheiro. Está aposentado. De qualquer modo, quem o conhece (e conheceu na Guiné), nunca dirá dele que era um daqueles milicianos "politizados", com posições críticas face à guerra colonial e ao regime político de então. Como, de resto, a grande maioria dos milicianos e demais militares, incluindo os do quadro permanente, que durante 13 anos fizeram a guerra do ultramar (ou guerra colonial), na esperança, em todo o caso,  que o poder político acabasse por encontrar uma solução (política) para aquela maldita guerra que prometia eternizar-se...

Apresentamos acima um exemplo de um carta, devidamente selada (correio aéreo), e de um aerograma, amarelo, sem franquia,  enviados pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350) à família. A carta tem data de 22/5/1973, e foi remetida de Cacine, onde ele estava retido. Nesse mesmo dia, Guileje fora abandonado pelas NT.  O aerograma tem data de 22/4/1973, e é expedida de Guileje. Uma segunda carta é já de Gadamael, e tem data de 26/6/1973. (**)

No aerograma, dirigido ao seu "querido pai",  o nosso camarada tem uma conversa trivial, diz que está feliz por ter recebido nada menos do que 10 cartas, além das encomendas postais... Há uma evidente cumplicidade entre dois homens, pai e filho, mas não há inconfidências relativamente à situação militar...

Já nas cartas, há matéria que poderia ser considerada muito "sensível" e "classificada", como por exemplo o abandono de Guileje por parte das NT...e, um mês depois de terríveis combates  em Gadamael, o J. Casimiro Carvalho informa a sua "querida mãezinha" de que finalmente há paz, e que está a haver rendição de tropas, que a sua companhia, a CCAV  8350,  vai para o Cumeré, e que vai haver bebedeira, pela certa, e que ao mesmo tempo houve mortos e feridos graves, incluindo dois capitões, um dos quais evacuado para a metrópole!...

Ora, se eu alguma vez escrevesse uma carta destas para casa, era um terramoto, deixava os meus pais e irmãs a sangrar de dor!...De qualquer modo, muitos de nós nunca escreveriam cartas deste teor, não só para poupar a família mas também por autocensura.

Em suma, o J. Casimiro Carvalho, que não esconde nada aos pais,  parece usar o aerograma para a "conversa da treta" e as cartas para as inconfidências, as informações sobre a situação militar, etc.  Era algo de intuitivo para os militares,  o aerograma, na sua perceção, prestava-se mais à devassa, à violação... Ou seria o contrário ?


2. As questões que se podem pôr hoje, em relação à satisfação e confiança no Serviço Postal Militar (SPMS)  (***), são as seguintes: 


(i) o nosso correio era seguro ?



(ii) o aerograma, sem franquia,  era mais seguro 

do que a carta selada ?



(iii) a malta fazia autocensura ou, pelo contrário, escrevia, 

nos aerogramas e cartas,  tudo o que lhe apetecia ?



(iv) o correio era rápido ? quanto dias demorava a chegar ? (dependendo de a distribuição ser feita por avioneta
 ou por coluna auto)



(v) as cartas, os aerogramas, os valores declarados e  as encomendas postais não se extraviavam ?



(vi) houve camaradas que escreveram mas não chegaram a pôr no corrreio aerogramas e/ou  cartas com medo de serem abertos e lidas pelas autoridades militares e/ou  pela PIDE / DGS ?



(vii) era frequente (ou, pelo contrário, era raro) dar-se informações detalhadas sobre a situação político-militar tanto na Guiné como na Metrópole ?

A resposta a estas questões dá pano para mangas,,,e para alimentar o nosso blogue neste verão...


3. Relendo as  cartas que o meu cunhado José Ferreira Carneiro escreveu  à irmã, Alice Carneiro (****), constato que o aerograma, em Angola, não seria tanto fiável quanto a carta; podia levar um mês a chegar, enquanto a carta (, por via área,) demorava três dias a chegar a casa dos pais...

O correio era muito importante, nos dois sentidos. O aerograma tranquilizava as nossas famílias. Mas também é verdade que podia veicular boatos de toda a espécie, a par de informações que, para as chefias militares, deviam ser classificadas ou reservadas...

Recordo-me de, em finais de maio de 1969, quando cheguei à Guiné, o terror do "periquitos" eram então as histórias que se contavam de Gadembel e de Madina do Boê. Tanto a retirada de uma e outra ainda estavam na memória de muita gente. O nosso grã-tabanqueiro, Henrique Cerqueira, por sua vez, tinha mais confiança no aerograma do que na carta. Mas as nossas namoradas e esposas não gostavam nada de receber o aerograma em vez da carta, que o diga o nosso Manuel Joaquim! (*****).


José Carneiro, 1º cabo trms, de rendição individual,
Camabatela,  norte de Angola, 1969/71
José Carneiro > Camabatela 16/06/70

Querida mana Chita: 

 Estou a escrever uma carta porque os aeros [aerogramas] chegam a demorar cerca de um mês até chegarem ao seu destino, isto quando não são devolvidos. Estou mesmo muito aborrecido com isto. Pensei agora só escrever cartas, mas de 15 em 15 dias. Assim as cartas só demoram 3 dias a chegar a vossa mão. Tens que escrever é para a caixa postal. Que achas? Assim não repetimos as notícias. Quando receberes carta minha, peço-te que telefones aos pais para ficarem descansados. Está bem assim? (*)



Henrique Cerqueira > Comentário de 6/12/2012 (**)

[ foto à esquerda: Henrique Cerqueira,  ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe
e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:



(...) Para mim o aerograma tinha uma grande vantagem em relação à carta envelope normal. É que no aerograma havia maior possibilidade de enviar informações que o Estado (PIDE/DGS) considerava de teor político e assim os censurava. 

Tinha que haver o cuidado de colar bem as margens. Assim os censores tinham uma maior dificuldade em violar o aerograma e, como eram aos milhares, havia que contar com a "burrice preguiçosa" dos tais indivíduos. Este foi um conselho dado por um agente da DGS que na altura estava em Bissorã.(Era um novato e ainda com as ideias pouco contaminadas). 

Aliás quando o tive de acompanhar a Bissau no pós-Abril e sob detenção, tive mais uma vez a possibilidade de verificar que o indivíduo politicamente era mesmo um pouco "inocente". Ou seja era mais um "recrutado" pelo objectivo monetário e não político. 

Eu próprio senti na pele essa pressão de recrutamento um pouco antes do 25 de Abril. Felizmente resisti conforme pude, pois que até ameaças de repatriamento da família para a metrópole eu recebi. Como já disse, eu tinha a mulher e filho comigo em Bissorã nos últimos nove meses da comissão.

Um abraço a todos e viva o "aerograma" que até era de borla. (****)

4. Haverá, por certo, outros camaradas com opinião qualificada sobre a organização e o funcionamento do Serviço Postal Militar (SPM) , a sua alegada independência face à PIDE / DGS, e à própria hierarquia militar, as demoras do correio, os eventuais extravios, e sobretudo o risco de violação da correspondência. 

Em suma, o SPM era mesmo o do nosso contentamento? Era o melhor serviço que a tropa nos prestava? Nunca nos fizeram um inquérito... de satisfação... Mas, meio século depois, ainda vamos a tempo de fazê-lo, mesmo que o SPM tenha sido extinto em 1981 e a guerra acabado em 1975, com o regresso dos últimos soldados do império...

Mas haverá por certo muitas cartas e aerogramas ainda por salvar... Vamos fazer um apelo aos filhos e netos dos nossos camaradas, esposas, madrinhas de guerra, antigas namoradas, amigos, amigas,  etc., para que salvam o "património epistelográfico" dos nossos "rapazes"...

O que é feito dessas 21 mil toneladas de correio que circularam durante a guerra colonial? As "cacholas", os salpicões, os queijos, o bacalhau, etc., isso comeu-se e fez-nos muito bom proveito... A "guita" gastou-se em "putas e vinho verde", como diria esse rapaz holandês de nome impronunciável por um "tuga" e que nunca foi à guerra, um tal Jeroen Dijsselbloem... Mas as cartas e aerogramas que escrevemos e recebemos, camaradas?!... O que é feito delas?... A maior parte foi parar ao caixote do lixo, mas outros apodrecem nos nossos baús...

Parabéns aos camaradas e às amigas que já aqui partilharam parte do seu espólio postal: o Mário Beja Santos, a Cristina Allen, o Manuel Joaquim, o Renato Monteiro, o José Ferreira Carneiro, a Alice Carneiro, o J. Casimiro Carvalho, o António Graça de Abreu, o José Teixeira, o Armor  Pires Mota, o Silvério Dias, o Albano  Mendes de Matos e outros (cito de cor!)...
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de  2010 >Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

(**) Vd. postes de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Vd. também poste de

1 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...)


(*****)  Vd. poste de 19 de junho de  2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

(...) O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais. (...) 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17035: Inquérito 'online' (105): "Estás reformado? E sentes-te bem?"... Total de respostas: 114. Resultados: 93% (n=106) estão reformados; e destes, cerca de 38% (n=40) sente-se "muito bem" e cerca de 45% (n=51) sente-se "bem"...


Viseu > Rua Formosa (frente ao antigo mercado municipal 2 de Maio) > Escultura do escritor Aquilino Ribeiro (Sernancelhe, 1885 - Lisboa, 1963) >  O monumento, em bronze, de homeagem ao escritor beirão, autor de Terras do Demo (1919), A Casa Grande de Romarigães (1957) e Quando os Lobos Uivam (1958), entre outras obras relevantes da literatura portuguesa da 1º metade do séc. XX  O trabalho é da autoria de Yuraldi Rodríguez Puentes (2013). Na foto, o nosso editor Luís Graça e a sua cunhada Nitas, ambos da mesma colheita de 1947... O nosso editor acaba de se reformar...mas eapera poder continuar a ser um artesão da palavra e da imagem...


Foto (e legenda): © Luís Graça 2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A. Inquério 'on line':


"Estás reformado ? E sentes-te bem ?"


Respostas definitivas (n=114)


1. Estou reformado e sinto-me muito bem > 40 (35,1%)

2. Estou reformado e sinto-me bem  > 51 (44,7%)

3. Estou reformado e sinto-me assim-assim, 
nem bem nem mal > 8 (7,0%)

4. Estou reformado e sinto-me mal  > 5 (4,4%)

5. Estou reformado e sinto-me muito mal  > 2 (1,8%)

6. Ainda não estou reformado  > 8 (7,0%)

Total de respostas > 114 (100,0%)


O inquérito terminou em 9/2/2017, às 7h52


2. Comentários dos nossos leitores:

(i) Henrique Cerqueira (*):

Então é assim: Eu estou reformado e na maior parte das vezes eu não me sinto bem.
Explicando: Para mim a situação de reforma foi das piores coisas que me aconteceu .Isto porque quando estava na situação de trabalho eu tinha muita actividade e embora eu não tivesse necessidade de grande actividade e devido ao meu feitio era muito presente junto do meu pessoal visto que estava a chefiar e administrar uma equipe de manutenção industrial multidisciplinar (Electricidade, mecânica e serralharia mecânica). 

Inicialmente a minha actividade estava ligada à industria da biotecnologia e nos últimos anos da minha carreira passei a laborar na industria da fundição de ferro.Nesta ultima actividade todo o equipamento era de alto desgaste a todos os níveis e daí muito exigente em termos técnicos. Por esse motivo eu acompanhava muito de perto o meu pessoal.

Ora assim sendo,  quando me vi na situação de reforma, eu fui afastado de toda essa actividade e ainda hoje eu não sei o que fazer ao tempo extremamente longo que é o dia a dia . Já experimentei muitas actividades de ocupação de tempo mas nada tem sido capaz de me dar o gosto pelo dia a dia que tinha quando estava no activo.
Bom e para já fico por aqui na esperança que este sentimento de inutilidade passe um dia destes . Até lá vou me arrastando "feliz e contente por ainda estar vivo".
Um abraço e ainda fico a pensar qual o propósito deste tema.

PS - Na realidade eu não tive grande tempo de planear a minha reforma,porque de certo modo fui empurrado para essa situação, já que fui obrigado por insolvência da firma onde trabalhava a optar por essa situação de reforma antecipada.
No aspecto monetário até que não tenho que me queixar muito, pese embora o facto de ser mais um dos reformados que tem contribuído principescamente com os desaires económicos do nosso "pobre"país.
Na verdade eu até ia pensando nos meus devaneios enquanto estava no activo o que gostaria de fazer um dia que fosse reformado,mas,como bom Português que sou,  fui deixando esses planos para a última da hora. Até que mais ao menos de um momento para o outro a "crise" instala-se na empresa e foi uma "pressinha" a tomar decisões de reformas-te ou não. E as opções foram :então vamos lá e logo se vê.
Alguns planos que eventualmente tinha foram por água abaixo e a vontade de reagir demora a aparecer e vai-se sempre arranjando desculpas para adiar algumas das opções e que até coincidem um pouco com as que descreveste. No entanto eu creio que virá o dia que se há-de dar a volta.

(ii) Beja Santos (**):

Queridos amigos, percebo a inquietação do Luís Graça, de um dia para o outro quebraram-se rotinas, desapareceram horários, compromissos, estabeleceu-se uma nova relação entre o passado e o presente, procuram-se novas continuidades e incomodo as recentes descontinuidades.

No meu caso, preparei cenários com uma certa previsão: quis manter-me ativo num trabalho que fazia há várias décadas, com um elevado sentido de realização, na política dos consumidores. Ofereci-me para voluntário, dão-me uma sala e um computador, todos os dias viajo por muitíssimos sites em vários continentes para saber se ainda existem consumidores organizados e reivindicativos; mantive os meus compromissos com uma organização ligada à saúde e aos direitos dos doentes, continuo a aprender muito, até porque é indispensável procurar atualização sobre o que se passa em novos conhecimentos quanto a envelhecimento bem-sucedido nos quadro da multimorbilidade; não abrandei o meu interesse pelos estudos guineenses, a minha presença no blogue atesta-o, continuo um infatigável devorador de papel, alavanca para um conjunto de livros que já escrevi e outros que quero escrever; na atualidade, introduzi elementos novos, uns que chagaram com um enorme acolhimento, estou a escrever um romance, outros que andam associados ao apoio a familiares que subitamente adoeceram e que precisam do meu amparo, é o caso da aminha única irmã. Quanto ao resto, zelo para que não se degrade a saúde, convive com os amigos, sempre que posso invisto aos sábados na Feira da Ladra, e com assinaláveis sucessos.

E olho para o meu passado sem remorsos, procuro comportar-me dentro dos princípios do Cristianismo onde mantenho a minha fé, procuro respeitar a dignidade de toda a gente, não molestar ninguém, não denegrir ninguém e não perder tempo a comprar guerras. É assim que eu vivo, e estou feliz porque não vivo em desacordo com o que penso, tendo ainda o privilégio, após 50 anos de trabalho, de ter feito concursos para subir na carreira, de não ter atropelado ninguém, de ter uma reforma condigna em que posso ajudar os meus.

Não sei se me exprimi bem, é este o depoimento que vos entrego com o mesmo abraço de estima de sempre.

_______________

Notas do editor;

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16926: Inquérito 'on line' (97): Nas primeiras 80 respostas, 55% dos respondentes considera, sem reservas, que poderia ser hoje amigo do inimigo de ontem... O prazo termina na 2ª feira, dia 9, às 18h36...Falta pouco para chegarmos às 100 respostas...


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre Maio e Junho, tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nesta foto, vemos o camarada, amigo, ex-fur mil José Manuel Lopes (o poeta Josema) com um guerrilheiro do PAIGC. Mais difícil foi, de facto,  a aproximação entre o PAIGC e os militares guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (**)




Nº de respostas (provisórias), às 15h de hoje = 80



1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo  > 11 (13%)

2. Sim, poderá vir a ser meu amigo  > 44 (55%)



3. Talvez, depende das circunstâncias  > 21 (26%)


4. Não sei responder  > 4 (5%)



Total de respostas > 80 (100%)


Prazo de resposta termina dia 9, 2ª feira, às 18h36

II. Comentários:
 

(i) José Marcelino Martins (*)

Esta pode ser uma "oportunidade" para redimir alguns excessos praticados, quer de um lado quer do outro, apesar de ser só por colocação de um "x". Porém, para muitos chegará.



(ii) António José Pereira da Costa (**)

(...) Não estive na descolonização, mas aquela de "andemos à porrada, mas agora semos todos uns gajos do baril" não me seduz. Claro que o fenómeno é complexo. Eles começaram por ser portugueses dissidentes a quem outros portugueses tinham de subjugar. Por razões exógenas acabou não com uma vitória/rendição, mas isso não quer dizer que caiamos nos braços uns dos outros. Tenho para mim, sem hipótese de prova, que eles simularam uma "amizade" que não sentiam e nós tomámos a atitude do "nacional-porreirismo" habitual dos portugueses. Claro que o denominador comum disto era o fascismo e o colonialismo de segunda categoria do regime político que dominava o país aquém e além mar. 

Mas acho que o PAIGC conseguiu o que queria e, caído o fascismo, nós todos metropolitanos queríamos regressar são e salvos. Há ainda os guineenses que eram portugueses e deixaram de o ser e esses não creio que alguma vez tenham sido abraçados pelos guerrilheiros. Isto diz de um certo ódio larvar que felizmente não se cevou em nós. Poderia ter acontecido e sabemos bem as "confusões" que se sucederam no momento em que os colonialistas saíram e as gloriosas hostes dos guerrilheiros tomaram o poder. Na Guiné, talvez nem tanto, mas em Angola houve problemas sérios...

Creio que a receita para o relacionamento das NT com o PAIGC é aquela que o Torcato Mendonça e o Vinhal defendem. De outra forma há um desrespeito por quem "ficou" no terreno. (...)

(iii) Henrique Cerqueira (***)

(...) Eu tive a oportunidade de apertar a mão do inimigo no seu próprio ambiente.Já documentei num poste deste blogue incluindo fotos.Senti nessa altura grande alegria pelo momento. No entanto o principal sentimento era o da confirmação que a guerra estava no fim e que de certeza iria voltar para a minha terra na Metrópole.

Quanto a amizade ,seria completamente impossível.Até porque a amizade se constrói e não se adquire no momento. Depois há ainda o facto de não esquecer o que os nossos inimigos fizeram posteriormente com os combatentes que lutavam do nosso lado e que por necessidade,obrigação ou devoção acreditavam que estavam a combater do lado certo.

Carlos Vinhal ainda bem que levantaste a questão,poderá assim acontecer que caiam aqui alguns falsos "amiguinhos" do Inimigo e que ás vezes se dedicam ás caridadezinhas,enquanto os responsáveis do governo Guineense vivem como uns nababos ricos e gordos pior que colonialistas de outrora.
Eu tenho o maior desejo que o povo da Guiné consiga ser feliz,no mínimo como me sinto no meu país livre e democrático. Mas jamais seria amigo de antigos combatentes que lutaram contra mim mesmo reconhecendo que era essa a sua obrigação pelos ideais e interesses que nutriam pela sua(?) Guiné,a interrogação é que ainda hoje a Guiné é sua(dos Guineenses) (...)


(iv) João Sacôto (***)

Camaradas:

Não esqueçam nunca os nossos heróicos camaradas guineenses que ao nosso lado bravamente combateram, muitos caíram em combate, para defender a sua terra das influencias estrangeiras (Chinesas, Cubanas e Soviéticas), como foram o meu amigo João Bakar Jaló, o Domingos Demba Djassi, Queba Sambu, Marcelino (felizmente vivo e na nossa companhia) e tantos outros.

O PAICG prometeu tratá-los com humanidade. Portugal acreditou, pagou-lhes seis meses de ordenado e pediu-lhes que entregassem as armas. Ainda que renitentes, os 27 mil militares guineenses do Exército português aceitaram. Mal as autoridades portuguesas abandonaram o país, logo o novo poder executou os primeiros.. Mortes reconhecidas na sinceridade das certidões de óbito: “faleceu por fuzilamento”, diziam. As autoridades guineenses pós-Luís Cabral falam em 500 mortos. O jornal “Nô Pintcha” chegou a publicar uma lista de nomes. Mas os sobreviventes calculam que pelo menos um milhar terá comparecido diante do pelotão de fuzilamento - alguns em aeroportos e campos de futebol, diante das populações.  (Isto, a nossa geração, não pode perdoar.) (...)


(***) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)