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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10361: Memórias de outros tempos (7): Operação Ananases (Jorge Teixeira-Portojo)

1. Em mensagem do dia 4 de Setembro de 2012, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos esta memória de uma operação muito perigosa:


MEMÓRIAS DE OUTROS TEMPOS

7 - Operação Ananases

Andava num remanso de vida numa terra chamada Catió, algures em África que de concreto sabia ser uma colónia chamada Guiné. Do meu tempo de estudante aprendi que ficava no Golfo da Guiné, próximo do Equador e que produzia arroz. Tinha por vizinhos o Senegal, a Guiné Conacri e o Oceano Atlântico. Nessa altura, sabia apontar no mapa a sua localização e ficava por aí.

Para chegar ao remanso de vida naquela terra, passei por algumas experiências incluindo um cruzeiro de seis dias num paquete chamado Niassa e depois umas 10 horas num batelão que fedia a tudo que é possível imaginar-se. Creio que vem desde essa altura o cheiro que se me entranhou e elas tanto gostam.
Para que o remanso fosse completo, entregaram-me uma velha conhecida chamada G3 com a qual nunca me dei bem. Mas tive direito a ela porque nos registos de um livrinho que me ofertaram anos depois diz "não satisfaz".
Nesse remanso, passeava algumas vezes nem sei por onde, de dia e de noite, ninguém se importava com a minha existência.

Certo dia, convidaram-me para mais um passeio. Lá fui todo contente devidamente vestido com umas roupas e botas lindas que comprei num armazém na Rua da Boavista, situado num edifício que acho ter pertencido à família de Garrett. Ou terá sido da do Alexandre? Para o caso não interessa.
Reparei que a maior parte dos meus acompanhantes não trajava o mesmo estilo de roupas. Mas como devem ter sido convidados à última da hora como eu, sem saber o que iriam descobrir no passeio, lá pensaram que qualquer trapinho serviria. Embora eu tivesse avisado que lhes ficavam mal aquelas roupinhas.
O nosso cicerone usava uma roupa parecida com a minha e nos ombros ostentava, brilhante, uma tirinha amarela.

Partimos para a excursão seriam umas três da tarde, levando a tal G3 como amparo, alguns com cintos cheios de pequenas maletas que comportavam alimentação para a dita, roupas e calçado os mais variados.
Caminhamos por ali e acolá e a tarde quase no fim. E os passeantes começaram a sentir fome e sede. O cicerone usava um aparelho tipo telemóvel mas muito grande, que não tugia nem mugia. Só soltava ruídos, tanto quanto me apercebi.

Como uma bênção, ou talvez estivesse delineado no programa do passeio, caímos no meio de uma plantação de ananases. A rapaziada sentou-se por ali e toca de começar a descobrir o paladar da fruta. Logo descobrimos que eram azedas. Mas a esperança de encontrar alguma doce levou a que quase se destruísse a plantação. Entretanto foram chegando umas visitas indesejáveis, minúsculas, com asas e ferrão. Começaram então a ouvirem-se duas orquestras: Uma de sopro, em estereofonia, mais parecendo que usávamos auscultadores; a outra de repercussão, com batimentos em tudo que era pele a descoberto. Foi com satisfação que regressamos ao remanso, seria para aí uma meia-noite.

Quase noite, um dos participantes em plena prova de doçura

Mudando de tom. Faz agora 43 anos que morreu o meu único homem, o Salvado. Que me foi substituir numa altura em que eu andava doente. Evacuado para o HM 241 de Bissau, encontrei-me lá com ele, mas já no caixão. Levei os seus pertences para serem devolvidos à família. Em Setúbal existe uma lápide com o seu nome. Espero que também lá estejam os seus restos mortais.

Durante muito tempo não soube o que andei a fazer em Catió. Ninguém se dignava dar-me instruções, informações, mínimas que fossem. Fiz patrulhamentos, reabastecimentos, montei emboscadas (?) totalmente de olhos fechados. Fui aprendendo com o tempo caminhos, a vida do mato, a conhecer a população, a desenfiar-me. E a tentar unir um grupo de homens, eles também à deriva durante muito tempo.

Esta Operação Ananases, conforme lhe passámos a referir, deu-se numa das propriedades do senhor de Catió, creio que lhe chamavam Chefe de Posto. Participou da ocorrência aos comandos militares e acabei por levar por tabela um repreensão.

Não me lembro se ao pessoal lhes deram alguma coisa para comer quando regressamos. Mas naquela altura em Catió, era eu um periquito mal saído do ovo e não "pescava" nada do assunto, só o bolso encher interessava a alguns. Comer miseravelmente era o lema. Até ter acontecido um levantamento de rancho e a partir dessa altura então para mim o remanso foi ainda mais perfeito.

A Operação Ananases ocorreu em meados de Maio de 1968 e as chuvas ainda não tinham chegado.

Jorge Teixeira
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7530: Memórias de outros tempos (6): Passados mais de 42 anos (Jorge Teixeira - Portojo)

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7530: Memórias de outros tempos (6): Passados mais de 42 anos (Jorge Teixeira - Portojo)

1. O nosso Camarada Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, enviou-nos em 30 de Dezembro de 2010, a seguinte mensagem:
 

Caros camarigos,
Entre baixas e férias, resolvi dirigir-me aos três por ser mais seguro, melhor, segura, a possível publicação do texto e foto abaixo.
Então cá vai:

Catió, meados de Maio de 1968.
Era eu um periquito ainda só de penugem, quando conheci, acabado de chegar de férias, o Silva da CART 1689, já sagui velho.
Passados mais de 42 anos, encontramo-nos aqui na Tabanca e temos trocado desde então uns mimos escritos.
Tínhamos mais ou menos aprazado um encontro para um futuro breve.
Pedi-lhe para quando isso acontecesse, trazer um letreiro com o nome para o reconhecer.
Mas sem mais nem menos, o Silva apareceu ontem na Tabanca de Matosinhos, onde no final do repasto, um camarada me chamou (por causa de Catió) e apresentou-nos. Olá como vais, mas nada de reconhecer o Silva, até que uma chispa saltou.
E pronto, mais um reencontro, à custa das Tabancas.

Aqui fica a foto comemorativa, superiormente obtida pelo Luís Graça.

Então aqui vai juntamente um abraço para todo o pessoal e desejos de Bom Ano.
Jorge (Portojo)
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6422: Memórias de outros tempos (5): O Básico que queria fazer um ronco (Jorge Teixeira / Portojo)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6422: Memórias de outros tempos (5): O Básico que queria fazer um ronco (Jorge Teixeira / Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo)* (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2010:

Caros amigos e camaradas.
Primeiro, um abraço para vocês.
Segundo, se der para post, siga e anda.
Não é preciso aprovação prévia.

Jorge Teixeira


MEMÓRIAS DE OUTROS TEMPOS

5 - Especialidades militares

Ao ler a mensagem do Alcides - Post 6394 - lembrei-me de uma Especialidade, que não o era: a de Básico. Que me lembre encontrei em Catió 2 rapazes com essa não Especialidade. Que afinal era a que todos queríamos, porque assim não iríamos dar com os costados em África. Dizia-se. Mas puro engano.

Quando regressei a Catió depois das férias no HM 241 de Bissau em 4 de Dezembro de 1969, após os 5 dias de convalescença obrigatório por lei, foi-me dado um mini Pelotão, digamos com 2 Secções de 10 homens cada, formados por rapazes da CCS do BART 2865, das mais diversas Especialidades, que, com excepção de um deles, atirador de metralhadora ligeira, (não sei onde foi desencantado, mas era bom mesmo com aquela coisa), os outros eram Padeiros e de outras Especialidades das quais já não me lembro minimamente, com excepção da de Básico. Durante os 9 ou 10 meses de comissão que já levavam, nunca tinham saído do Quartel, a não ser para ir jogar à bola, beber uma cerveja no Libanês ou ao Taras-Buba, ou ir partir catota lá numa tabanca. A nossa missão era (para além de outras brincadeiras) o patrulhamento e segurança nocturnas mais ou menos junto às populações. Esse serviço era feito diariamente, melhor, nocturnamente, normalmente entre as 5 da tarde e as 5 da madrugada. Cada dita Secção saía dia sim dia não, eu saía dois dias e descansava um.

Quer dizer, não saía, mas estava de segurança. Quando flagelados, teria que ir reforçar um dos "postos" exteriores, com a Secção que estava em descanso. Mas para o caso não interessa nada e voltemos ao tema das Especialidades.

Ora um Básico, em princípio era um faz tudo. Colher para toda a obra. Até atirador.

Na foto, o "Básico" é o segundo, com camuflado, a partir da direita

Um dos rapazes "básico" era de estatura pequenina e nunca tinha dado um tiro. Ficou feliz da vida quando lhe disseram que iria fazer parte de um Grupo de Combate. A primeira coisa que me disse foi: quero fazer um ronco. E comigo. E logo eu, que a primeira coisa que fiz com esse grupo, foi ensinar-lhes a correr muito e o caminho para "casa" a partir dos vários locais exteriores a Catió.

Certo dia tivemos uma flagelação e em grande, cerca das 2 horas da manhã. Toca a levantar, ir para o ponto de encontro e sair com o pessoal que estivesse pronto para reforçar o exterior que nesse dia era logo a seguir a Catió Fula.

Lembro-me dos pormenores dessa noite/madrugada. Estava luar, e arranquei com o pessoal, cheio de cagaço, muito encostado e o mais metido possível para dentro do arvoredo junto à picada. Fui olhando para trás e de repente vejo um pequeno vulto quási encostado a mim. Quando distingui quem era, vi o Básico, todo contente com a G3 ao ombro. Diz-me ele: Furriel é hoje o ronco, vamos a eles.

Além dele, trazia mais de 25 às costas e tremi todo pensando como iria aguentar e esconder aquela gente toda. Os homens do meu Pelotão oficial, que nunca me largavam nessas ocasiões, sabia que estavam atrás de mim e que orientavam a coisa, mas os outros não faço a mínima ideia quem eram nem a quem pertenciam: Se à CCS, se à Companhia de intervenção, se ao Pelotão de Morteiros. Sei que parte deles, que também não pertenciam ao mini-pelotão da CCS, foram arrastados pelo Básico.

A rapaziada começou a dizer que ouvia barulhos. Sem transmissões e mesmo sem ordem do comando - em Catió só se fazia fogo à ordem - autorizei a dar uns tiritos com o canhão. Não adiantava nada, porque as nossas granadas eram incendiárias e já com o prazo de validade expirado há manga de chuvas. Mas pelo menos se andasse por ali alguém sempre assustava. E parece que andou mesmo, pois segundo me disseram no outro dia, havia rastos de sangue. E a rapaziada ficou contente. Manga di ronco, pessoal.

Conclusão: O meu Básico, homem cheio de coragem, levava mesmo a G3 que embora com carregador, não tinha munições. Os camaradas preveniam-se contra os heróis...

Portanto a guerra também se fez com os incógnitos Básicos. E o meu Básico andou feliz da vida a contar a aventura por muito tempo. E lá teve direito à cervejinha da ordem para comemorar aquela noite de ronco.

Notem: Básico não é pejorativo. Muito menos para este rapaz que não tinha nome. Quer dizer, ter tinha, mas era o Básico e pronto, todos sabíamos quem era. A alcunha já lhe vinha desde a "Especialidade".

Um abraço
Jorge (Portojo)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6250: O 6º aniversário do nosso blogue (30): Eu, a Tabanca Grande e o 25 de Abril (Jorge Portojo)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5816: Memórias de outros tempos (4): As minhas passagens pelo Quartel General de Bissau (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Em Mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2010, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo)* (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos esta sua Memória:


Memórias

Em tempos, o Branquinho escreveu sobre o acolhimento que era dado, na Messe de Oficiais do Q.G., aos Alferes do Mato que por qualquer motivo iam a Bissau, pelos Alferes que estavam de serviço ao ar condicionado. Na altura era para deixar um comentário, mas achei que dava para poste e por duas razões.

Se for o caso, aqui vai.

Por duas vezes, fui acolhido em estadia mais prolongada, no Q.G. Logicamente que a minha messe era a dos Sargentos. Sinceramente, não notei o mesmo tipo de acolhimento que aconteceu ao Branquinho lá na dos oficiais. Claro que havia piadas, mas mais do género de passar um tempo em conversa e nunca de exclusão ou superioridade. Conheci malta do ar condiccionado, entre eles rapazes do hóquei, por exemplo o Salema e o Ramalhete mais novo (o mais velho foi meu colega de curso em Vendas Novas) que me acompanharam muitas vezes por Bissau by night.

Consegui regressar à Metrópole com 3 (três) Guias de Marcha.

Fim do comissão, aguardava em Bissau o representante do pelotão que nos vinha render - diga-se de passagem, um óptimo rapaz, pois acreditou em tudo que lhe entreguei para assinar e de cruz o fez, e não o aldrabei - e também fazer aqueles espólios todos.

Estive adido para efeitos de apresentação e serviços (que nunca fiz nenhum) aos Adidos. Para efeitos de alimentação e dormida estive no Q.G. Pois bem, duas das Guias de Marcha foram-me conseguidas por furriéis milicianos, por rendição individual. Uma dos Adidos e a outra do Q.G. É certo que apresentei as folhinhas, num lado e noutro, com as 12 ou 14 assinaturas que eram precisas para nos libertar. Não me perguntem mais pormenores, porque não lembro. A terceira Guia de Marcha, foi-me conseguida pelo Alferes Luís Xarez, meu Comandante de pelotão, incluída na geral do pelotão.

Acrescento ainda que a do Q.G. foi-me entregue em mão na caserna, estava eu a vestir-me para jantar, poucas horas antes de entrar no Niassa, por um Furriel Mil.creio que era da 4ª REP, a do pessoal.

Em tempos escrevi que um dos temas para lembrarmos aqui, poderia ser a música ou as canções que nos marcaram durante a comissão.
Então, o meu aderir ao Fado começou verdadeiramente numas conversas e explicações com a viola de um Furriel na messe de Sargentos. Que estava em comissão no ar condicionado de Bissau. E quem me levou ao Barco foi um outro furriel, outro fadista, o Freire, que pediu um jipe emprestado para me carregar as malas.

Este escrito não é para comparar classes militares. E muito menos entre milicianos. Mas talvez a dos furriéis fossem mais terra a terra, mais unidos.

Um abraço para a Tabanca
__________

Nota de CV:

8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5790: Memórias de outros tempos (3): Porque rapei o meu bigode (Jorge Teixeira/Portojo)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5790: Memórias de outros tempos (3): Porque rapei o meu bigode (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo)* (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2010:

Carlos
Se achares que deves publicar, siga.

Um abraço do
Jorge Portojo



Porque rapei o meu bigode ou as meias palavras do meu Comandante Mário Belo de Carvalho

Catió, Junho ou Julho de 1969. As datas precisas fugiram-se-me.

O Comando do sector, da responsibilidade do senhor TCor Mário Belo de Carvalho, Comandante do BART 2865, com cerca de 5/6 meses de mato, foi visitado pelo senhor General Spínola.

Formados na parada para receber Sua Excelência, logo ali ficamos com a impressão de que algo ia acontecer de mau. Na realidade, algum tempo depois, o senhor TCorn Belo de Carvalho levou uma porrada e saiu para Bissau. A opinião da tropa bandalha, (leia-se: soldados, cabos e furrieis milicianos) foi que o Segundo Comandante, Major e posteriormente TCor Melo Machado (de quem ninguem gostava e ainda hoje assim alguns pensamos), tinha ajudado a colocar os patins ao nosso Comandante. Os motivos, nunca soubemos

Acontece que este senhor nunca foi pessoa bem vista entre a rapaziada, contrariamente ao Comandante Belo de Carvalho. Um cavalheiro, que dirigia a palavra a toda a rapaziada, jogava a bola connosco, pessoa bastante humana.
Portanto, Catió andava com os nervos à flor da pele. O meu Pelotão que era apenas adido para efeitos operacionais, de alimentação e alojamento, também sentiu o efeito. Creio que o meu alferes Comandante do Pelotão nesta altura estava de férias e nunca trocamos qualquer palavra sobre o assunto.


TCor Art Mário Belo de Carvalho - BART 2865

Em Julho, durante uma flagelação à unidade e população, (não lembro o dia porque passaram a ser frequentes e aí o calendário acabou) ou já estava fora ou saí para reforço de segurança no exterior. O Pelotão foi esquecido e não recebemos ordem de regressar. Quando clareou o dia dei ordem para regressar e formei o Pelotão em frente ao Comando. Quis saber porque fiquei sem comunicações durante toda a noite. A central tinha-me dito que todos se foram deitar e não poderiam entregar qualquer mensagem aos comandos a não ser assuntos urgentes.

O senhor Comandante Belo de Carvalho recebeu-me, já não me lembro muito bem da conversa que tivemos, mas duas coisas eu lembro: perguntou-me quem tinha dado ordem para regressarmos e quem deu autorização para eu usar bigode. Respondi-lhe que ninguém, às duas perguntas. Mandou-me destroçar o Pelotão. De imediato, dirigi-me aos lavabos e cortei o meu apendice piloso. Com um desgosto grande, pois os meus pais gostavam de mer ver com ele.

Em seguida entrei no Comando e pedi autorização para ser recebido pelo nosso Comandante. Fui aceite e então fiz talvez a minha apresentação mais solene desde sempre: om batimento de pés e pala como era norma:

- Apresenta-se a V.Ex.ª o Furriel Miliciano Jorge Teixeira do Pelotão de Canhões Sem Recuo 2054 com o bigode cortado.

Sorriso daquele homem, mas logo sério. Em sentido, está apresentado, pode retirar-se.

Porquê esta conversa toda, só para falar do meu bigode rapado? É que tudo tem uma razão. Ele que tantas vezes me viu de bigode, nunca fez qualquer observação. A situação em que se encontrava, a negligência do comando com o pessoal, etc. talvez a única coisa de que se lembrou foi de me dar uma "ripeirada".

Quando estive em Bissau, antes de ser internado no HM, já em Setembro, soube que ele estava de "castigo", aguardando ordens para regressar à Metrópole, numa daquelas casas dentro do Quartel General, à esquerda de quem entrava. Fui visitá-lo. Não me lembro minimamente do que falamos. Sei que o olhar do homem era vago, triste. Presumo que para um militar de carreira o pior que lhe poderia acontecer era ser recambiado para casa.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)

domingo, 16 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4826: Memórias de outros tempos (2): As épocas das chuvas (Jorge Teixeira/Portojo, ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054,Catió, 1968/70)


1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 29 de Julho de 2009:


A época das Chuvas


Apanhei duas inteirinhas, mas provavelmente como toda a malta.

Oficialmente, ela deveria começar em meados de Maio e ir até meados de Novembro.

Eram um horror em várias razões. Quando atravessávamos as bolanhas, a parte superior ao fim de 4 ou 5 homens as terem passado, os restantes para se equilibrarem naquele lodo passavam tormentos, especialmente à noite. E quantos demos o trambolhão para dentro de água, que em alguns casos poderiam ser fatais, por afogamento. Sei do que falo.

Um dia, na minha primeira época, perguntei ao ainda ten. João Bacar Jaló, como era possível chover tanto. Se era costume aquela chuva toda. Disse-me ele, estamos ainda em seca. Precisamos de muita mais. Claro que mesmo habituado à chuva do Porto, aquilo parecia-me o dilúvio. Dias seguidos de chuva...
Normalmente antes da chuva começar a cair, chegavam os sons daquelas trovoadas terríveis. Nunca sabíamos se elas vinham dos céus ou da terra.
Na segunda época, no primeiro dia de chuva, que por acaso foi à noite, o meu amigo, companheiro de quarto e sargento do Pelotão Daimler 2045 -de que não me lembro o nome - correu para o descoberto a receber a chuva com todo o carinho e aos berros, que era para fazer bem à "lica". Se bem se lembram, alguns de nós criávamos no corpo uns borbulhas, que depois davam em manchas que nunca saíram do cabedal, -sei do que falo - e que eram pior que mordidela de mosquito ou daquelas baga-baga que apanhávamos quando roçávamos algum arbusto, pois coçávamo-nos até fazer sangue. Ele era achacado a essa doença da pele e recebeu a informação que com as chuvas a coisa passaria.
Acompanhei-o mas com um receio. Fui-me dirigindo para o meu posto de defesa, pois estava a cair uma trovoada daquelas lindas. Acreditem que na unidade quase ninguém deu fé. Pudera, eram Piras com apenas 3 meses de Guiné...Era o seu baptismo de chuvas e ainda não distinguiam as trovoadas umas das outras...
Também nos extasiávamos com as maravilhas da natureza. Quando acontecia estarmos no meio de uma bolanha e víamos ao longe o remoinho do tornado, a quantidade de relâmpagos e raios que apareciam de todas as direcções, uma luminosidade que deslumbrava, o barulho ensurdecedor das trovoadas que se vinham aproximando. E pior que tudo, tentar que o pessoal não corresse para se abrigar na mata mais próxima. Ufa, e quando ela começava a cair, 2 minutos depois estafamos piores que bacalhau demolhado. Porque esse precisava de pelo menos 3 dias e uma rezas de molho, não para dessalgar mas sim para que se ficasse pelo menos mole para se poder desfiar. Porque em posta ninguém o conseguia comer.
Um abraço,
Jorge Teixeira/Portojo
Fur Mil At Art
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

18 de Abril de 2009  > Guiné 63/74 - P4206: Memórias de outros tempos (1): Fur Mil Aguinaldo Pinheiro, o morto-vivo do BART 1913 (Jorge Teixeira - Portojo)

sábado, 18 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4206: Memórias de outros tempos (1): Fur Mil Aguinaldo Pinheiro, o morto-vivo do BART 1913 (Jorge Teixeira - Portojo)


1. Mensagem de Jorge Teixeira - Portojo(*), ex-Fur Mil do Pel Canhões S/R 2054, (Catió, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2009:

Amigo Carlos
Se der para meter no Blogue, gostaria de contar umas estórias sobre Mortos-Vivos.
Esta é uma delas. As datas estão na história do BART 1913.



O Morto Vivo Pinheiro

História do BART 1913
....
Feridos
....
12JUN68 - Fur Mil Aguinaldo Dias Pinheiro/CCS
....
Abates
13JUN68 - Fur Mil Sap Inf Aguinaldo Dias Pinheiro - Evacuado para o HMP

A minha história

Eu pira com uma dúzia de dias de Catió.

Dia de anos da minha mãe. Dia de reabastecimentos a Cufar.

Saí com o meu Pelotão integrado no Grupo que fazia a segurança e a picagem da estrada Catió-Cufar e ficamos a montar a segurança, segundo me disseram, próximo do cruzamento de Camaiupa. Recomendaram-me muito cuidadinho. Os sapadores do Alf Ganhão seguiam já bem lá à frente. De repente rebentamentos. Uma viatura passou bem rápida no sentido do barulho e regressou passado algum tempo.

A voz corrente foi de que o Fur Pinheiro lerpou ao levantar uma mina. Nunca mais soubemos nada do acidente e realmente todos em Catió ficamos convictos que o Pinheiro tinha ido para o outro lado.

Muitos anos depois, encontro o Victor Condeço e logicamente começamos a conversar do passado. E o Pinheiro veio à baila. Disse-me o Victor que ele estava vivo. Tinha-o encontrado num convívio da CCS

20 de Maio de 2007

Dia de festa para a CCS do Bart 1913 na Serra do Pilar. Estive presente e feliz por rever antigos companheiros com quem passei nove meses de Guiné, e muitos deles reconheci-os à primeira. Mas queria ver o Pinheiro. Embora só tivesse convivido com ele cerca de um mês, a marca que deixou em mim foi grande. E o Pinheiro apareceu vindo lá do sul de Portugal. Foi com alegria que o abracei e pude ouvir parte da história do que lhe aconteceu. Sim, porque ele não sabe contar a outra parte. Só se lembra até... depois desapareceu tudo.

Recordando o após, disse-me fez uma dúzia de intervenções cirúrgicas, já não sabe quantas, mas diz muito galhofeiramente, que até foi bom, pois só ficou sem uma parte do cérebro que era a inútil. E assim reencontrei o Pinheiro e fiquei feliz num dia para recordar para toda a vida.

Aqui vai a foto dele, tal como estava há dois anos. Sei que não se chateia de o referir, pois diz nada mais o chatear depois daquele dia 12 de Junho de 1968.

Jorge Teixeira

Aguinaldo Dias Pinheiro, ex-Fur Mil Sap de Inf, felizmente vivo e de boa saúde.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3987: Recortes de Imprensa (14): Soldados mortos na guerra colonial terão memorial no Porto, JN de 5/3/2009 (Jorge Teixeira)