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sexta-feira, 29 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25315: Um conto de António Graça de Abeu: "Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (2018) - Parte I


O escritor (n. Porto, 1947) quando jovem 
(c. 30 e poucos anos)


António Graça de Abreu, na China (c. 1981)

1. Mensagem do António Graça de Abreu, com data de  26 do corrente: 

Luís, segue o texto dos primeiros amores luso-chineses. Acho que dá para publicar, lê-se com gosto, e como dizia o Camões “melhor é experimentá-lo que julgá-lo/mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”

Creio que podes dividi-lo em três ou quatro partes. As fotos são todas minhas, excepto a do padre Teixeira que é da net. Mas não deve ter direitos de autor.

Abraço,

António Graça de Abreu


Depois da Guiné, 1972/74, com largas estadias em Canchungo, Mansoa e Cufar, regressado a Portugal a 20 de Abril de 1974, era tempo de esquecer as charangas da guerra e recomeçar nova vida. 

Com a democratização da sociedade portuguesa, surgiram os partidos políticos e em 1976 foi tempo de me aproximar dos maoistas do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o único que mantinha um relacionamento institucional com Pequim, com o Partido Comunista Chinês. 

Em finais de 1977 fui convidado pelo Eduíno Vilar, secretário-geral do PCP (m-l), conhecia bem a sua esposa, a Ana Faria,  minha colega de Faculdade de Letras – para ir trabalhar na China, nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. 

Depois de muito pensar aceitei, o contrato era de quatro anos e acabei por ficar seis anos na capital chinesa e em Shanghai, tendo mudado completamente a minha vida. 

Dediquei-me a estudar a China, a escrever sobre a China, a dar aulas em diferentes universidades portuguesas sobre estudos chineses. 

Conheço pouco, mas a China não me é estranha.

O meu primeiro mergulho no feminino chinês é este texto, este conto, 80% verdadeiro, passado em Macau, que deixo à consideração dos nossos camaradas da Guiné. Prometo leitura exaltante, agradável, edificante.

António Graça de Abreu


Capa do livro "Lay-Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Póvoa de Santa Iria,  Lua de Marfim Editora, 2019, 91 pp.)

Email do autor: abreuchina@netcabo.pt


2. Segue-se o conto, " Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (pp. 36-57), uma história de encontro e separação de duas culturas,  e de amores efémeros de um homem (Bernardo, português, com formação universitária, e já na casa dos 30 e tal, claramente um "alter ego" do escritor) e uma jovem chinesa de Cantão e Macau,  de 24 anos, Lai Yong. 

Estamos em 1981 em  Cantão  e em Macau (território ainda sob administração portuguesa,  até 1999).  

Vamos dividir o conto em três partes, devido à sua extensão. E agradecemos ao autor, nosso camarada, um histórico do nosso blogue, a sua gentileza e generosidade. O conto foi publicado num dos seus últimos livros, já aqui objeto de uma primeira nota de leitura (*) 

 O António Graça de Abreu tem cerca de 340 referências no nosso blogue.  Foi alf mil, CAOP1 ( Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74).  Escritor, poeta  tradutor e professor universitário, é um reputado sinólogo, especialista em língua, cultura e história da China. (LG)



A menina de Cantão e Macau: (...) "Em Santiago da Barra, / desagua um rio de ternura, / para eu navegar
no jade do mar, na tua formosura." (...) 


Fotos (e legenda) : © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lai Yong e Bernardo, uma História Simples - Parte I

por António Graça de Abreu


Se não trazem amantes para os quartos, 

as vidas dos anjos não passam de um sonho.

Li Shangyin (813-858)


Grave e leda no gesto, e tão fermosa 

Que se amansava o mar de maravilha.

Camões, Os Lusíadas, Canto VI, 21


I

Cantão, ano de graça de 1981, Outubro.

Diante da cidade, no pequeno cais fluvial do outro lado do braço do rio das Pérolas, o barco da ligação nocturna Cantão-Macau está prestes a partir.

A polícia chinesa procedeu à rigorosa verificação de passaportes e salvos condutos, vistoriou as bagagens dos cidadãos, cerca de duas centenas, que viajam no ferry da noite rumo à pequena cidade portuguesa, na península do Santo Nome de Deus, na China.

Sou o único estrangeiro a bordo. Cheguei esta tarde a Cantão, depois da longa viagem desde Pequim, trinta e nove horas, 2.700 quilómetros na carruagem yingwoche 硬卧车, ou seja, “cama dura”, no beliche do meio de um comboio ronceiro, fumegante e sujo. 

Agora, o naviozinho, uma espécie de cacilheiro meio alindado, acomoda os passageiros para o possível sono da noite numa vasta camarata, com dois pisos iguais em convés coberto, tipo salão, cada andar com uma centena de camas, todas unidas umas às outras.

Depois do comboio, antevejo uma noite tranquila, embalado pelo navegar ritmado do barco, nos cento e trinta quilómetros até Macau por águas escuras, barrentas,mas bonançosas, no delta do rio das Pérolas.

Cabe-me em sorte o leito número 8 no piso inferior do “cacilheiro” chinês. Oito é   um bom número, associado à prosperidade e à riqueza. Deposito a mala, apalpo acama, instalo-me. 

Mesmo ao lado, no número 9  outro número de excelsas qualidades a apontar para longa vida, poder e harmonia, – está uma menina chinesa aí de vinte anos, de pernas cruzadas, bonitas, sentada no colchão. Esplendorosa. Surpreende-se, curiosa com a minha presença, tal como eu me espanto face à sua inesperada aparição.

Vamos dormir, lado a lado, separados por um estreito tabique de madeira, ao rés dos nossos corpos. A chinesa não é bem menina, mais uma mulher jovem, 'mignonne', o rosto cheio, os olhos amendoados e fundos, os cabelos descendo pelos ombros e um sorriso que passeia na fissura da almofada dos lábios, e chega até mim. Sorrio também.

O barco vai descendo o rio. A meu lado, que sorte, que formosa mulher!

Ajeitamo-nos nas camas, é quase hora de fechar os olhos para um possível sono descansado.

No meu catastrófico chinês mandarim, saúdo a inesperada companheira de tãopróximos espaços a compartilhar.

– Boa noite, como te chamas?

–  Li Yang, mas em cantonense chamo-me Lai Yong.

 Eu sou Bernardo, português, vivo há quatro anos em Pequim, onde trabalho e tenho a minha vida. Esta é a minha terceira viagem a Macau. Ni ne? E tu?

 Nasci em Cantão, vim pequena para Macau, com os meus pais.

 O que é que fazes, Lai Yong?

– Trabalho numa loja de arte chinesa, pintura tradicional, caligrafia e livros.

Este o essencial arrevesado da conversa. Estamos apresentados. Outra vez o fíníssimo sorriso a baloiçar nos lábios da Lai Yong e ela a enroscar-se no edredão, preparando o sono da noite. Pergunto-lhe em mandarim, depois em inglês:

 Que língua vamos falar?

 Não vamos falar, vamos dormir. Falo cantonense e mandarim, mais umas palavras de inglês. Mingtian jian, 明天见, “até amanhã”, good night.

 Mingtian jian, sleep well.

Vivendo em Pequim desde 1977, habituara-me a uma existência dura em tempo de rigores políticos, à extremada separação entre chineses e estrangeiros, à quase impossibilidade de um relacionamento com estas meninas de jade e de seda, alvas e perfeitíssimas. 

Recordei como, desde há quatro séculos e meio, este feminino de assombros -- sublimes criações dos deuses --, tem povoado o imaginário e a realidade quotidiana de tantos portugueses em Macau, diante de depuradas mulheres, mesmo se de origem humilde, mas quase sempre dedicadas e meigas, tão superiores à mediania e à mediocridade de incontáveis gentes.

A três palmos de mim, no barco da carreira Cantão-Macau, dorme uma primorosa filha das terras da China. O rosto sereno no travesseiro diminuto, creio que nenhum sonho, nenhum sobressalto. Bela e adormecida, Lai Yong parece porcelana.

Apetece tocar.

O barco desce por meandros e curvas do rio das Pérolas. Luzes dispersas, mais anegritude no horizonte, no vasto delta a abrir-se para o mar. Vou também tentar dormir.

Adormeço no sonho de uma chinesa vestida de nuvens coloridas aproximando-se de mim. Um braçado de flores, uma fada imaculada, erva fofa e tenra.

Acordo com um amanhecer difuso. Lá fora, a leste, o céu levemente azul, levemente rosa. Tudo ainda muito escuro. Cá dentro, na penumbra, ao lado, a Lai Yong continua a dormir. É uma ninfa descida de paragens celestiais, veio por detrás do debruar da noite para adormecer junto de mim.

No barco, a estibordo, adivinham-se ainda distantes as primeiras luzes de 9Macau, perfurando o clarear do dia. O farol da Guia a lampejar no alto, depois o traço iluminado dos hotéis Presidente e Lisboa, mais a linha da baía da Praia Grande.  

“cacilheiro” passa sob a ponte Nobre de Carvalho, circunda o extremo sul da península, rodeia a Penha, a Barra, o templo de Amá e encontra o cais para acostar, no Porto Interior. Os passageiros, ainda meio ensonados, deixam as camas para trás, carregam malas e embrulhos, aceleram o passo, saem do barco. É a debandada ligeira e rápida para dentro de Macau, sem nenhuma barreira ou fiscalização, os chineses da polícia e alfândega de Cantão já controlaram tudo. E Macau tem o privilégio de ser um porto livre.

É dia claro. Lai Yong e eu não temos pressa, somos quase os últimos a deixar o barco. Ajudo-a no transporte das suas muitas trouxas e pergunto-lhe:

 Logo à noite, queres jantar comigo?

Lai Yong espera uns vinte segundos, parece hesitar na resposta. Mas o sorriso macio, adocicado, brilha outra vez nos olhos, nos lábios, enche-lhe o rosto todo. Depois diz:

 Keyi, pode ser. Onde nos encontramos?

 Em San Ma Lou, a avenida Almeida Ribeiro, em frente ao Leal Senado.

Um aperto de mão cordial e bye bye, até logo.

II

Sete da noite. Chego ao Leal Senado, no centro da cidade, e questiono-me: Será que a Lai Yong vai mesmo aparecer, ou esfumar-se-á para sempre nos atalhos escondidos das sombras de Macau?

A mulher lá está, os mesmos sapatinhos pretos de Bela Adormecida, saia justa azul arredondando-lhe as formas do corpo, uma blusa vermelha apertada, com o botão de cima aberto no decote sobre o levantar dos seios perfeitos, uma pequena gola de folhos, os olhos de veludo castanho voluptuosamente pintados, a boca rubra entreaberta.

Outra vez o sorriso perfumado, acariciante e leve que não se desprende apenas do abrir dos seus lábios, quero crer que lhe circula no sangue. São os ténues entendimentos de um português romântico, hoje completamente fora de moda, homem da estranha casta lusitana, mas espantado, encantado, embriagado diante de possíveis enxertias em bacelos do sul da China.

Onde vamos jantar?

O Hotel Metrópole está na moda. O restaurante do hotel, o Beira-Mar, é uma sala enorme com um palco e um palanquim lateral onde jovens cantoras de Hong Kong, com voz de rouxinol afinado, entoam modinhas chinesas em cantonense, às vezes em mandarim. Degustamos umas tantas iguarias de comida meio ocidental, meio chinesa, bebemos uma garrafa de vinho verde Gatão, bem fresquinho, o néctar das encostas das terras de Amarante, em Macau, no seu melhor. Lai Yong tende mais para o lado do chá, mas decide fazer companhia ao amigo recente, em suaves libações vínicas. À nossa saúde, Ganbei, 干杯, brindamos à felicidade em nossas vidas.

Bernardo é o primeiro português que conhece nos seus quase vinte e quatro anos de idade, muitos deles já vividos em Macau. Falamos, falamos, falamos num linguajar de trapos, meio mandarim, meio inglês.

Quem és tu Lai Yong, mulher da China, de Cantão, de Macau? Quem sou eu, Bernardo, português dos distantes mares do Ocidente, ancorado em Pequim, agora de passagem por esta estranha cidade do sul do império, com portugueses lá dentro, e mais gente, macaense e chineses, todos filhos das singularidades do mundo e de dez mil desvairos?

Ao modo da velha China trocamos dados sobre os nossos signos, identificamo-nos, descobrimo-nos pelos animais do zodíaco chinês que estão por detrás do ano emque nascemos e que, quase de certeza, nos condicionam as vidas e nos fazem ser o que somos. Recordamos qualidades, esquecemos, por completo, os muitos defeitos.

 Lai Yong é Cabra, um animal simpático, de bom coração que irradia vontade de viver,

Bernardo nasceu no ano privilegiado do Porco Dourado, sob o elemento Fogo, tem por isso um ror de qualidades. É generoso e honesto, por muitas voltas que a vida dê, o dinheiro não lhe costuma faltar, é sensual e corajoso. 

Sorrimos ambos face ao que vamos descobrindo. Não será difícil a aceitação de um pelo outro. Sabemos que temos quase tudo para entendimentos sinuosos mas sublimados, para nos darmos bem porque deverão existir baús e baús de compatibilidades e interesses comuns.

Falo-lhe do meu trabalho em Pequim, na minha danwei 单位 comunista, a entidade de trabalho, a Foreign Languages Press onde tenho bastante liberdade e passo os dias a cerzir textos em razoável português. Pagam-me um magro salário que, no entanto, chega, é suficiente para viver, até dá para viajar e vir a Macau.

Lai Yong é uma mulher quase letrada ao modo do velho Império, ocupa o seu labor cirandando pela pintura tradicional chinesa, a exercitar caligrafia, a ler e a copiar poesia clássica. 

Falo-lhe nos grandes poetas da dinastia Tang (618-907) que também vou descobrindo e que gostaria um dia, ocupando parte dos meus ócios, de traduzir para língua portuguesa. São Li Bai, Du Fu, Wang Wei, Bai Juyi. 

Conhece-os todos, fala-me de Wang Wei: 当一个人品味王玮的诗,有画在他们, “A sua poesia é pintura, a sua pintura é poesia”, e diz-me, também em mandarim, a brincar, um famoso poema de Li Bai, ou Li Po que as crianças chinesas costumam aprender na escola primária. Assim:

床 前 明 月 光

疑 是 地 上 霜

举 头 望 明 月

低 头 思 故 乡

e que, em mandarim, soa deste modo:

chuang qian min yue guang
yi shi di shang shuang
ju tou wang ming yue
di tou si gu xiang

A tradução livre será mais ou menos esta:

“Li Bai, em viagem, acorda numa estalagem longe de sua casa. De madrugada,vem à janela e tem a geada diante dos seus olhos. Ou serão reflexos do luar? O poeta, triste, pensa no seu lar”.

Lai Yong fala-me de outros poetas da dinastia Tang, grande parte deles eu nem sequer conheço. Ela sabe dezenas de poemas de cor. Ah, mulher bonita, eu agarro em ti e levo-te comigo, debaixo do braço, para darmos a volta ao mundo!

Deixamos o restaurante do Hotel Metrópole. Acompanho a Lai Yong, a pé, até casa. Mora na rua da Praia do Manduco, por baixo de S. Lourenço, lá no extremo sul, ao lado do Porto Interior, quase a chegar ao templo de A Má. 

Vamos descendo pela marginal, circundando a Praia Grande, passando a Penha, até à Barra, caminhando lentamente sob árvores seculares num dos espaços mágicos de Macau. 


O meu braço direito sobe e rodeia o ombro de Lai Yong. Puxo-a para mim, a menina de Cantão e Macau aconchega-se suavemente na espalda do amigo recente. Caminhamos enlaçados.

Quase ninguém na noite de Santiago da Barra. Bernardo, os pés em Macau, o coração entre céu e terra, abraça a mulher chinesa, beija a polpa dos lábios da ancestral e presente filha do dragão, lábios perfeitíssimos humedecidos por milénios de águas da chuva, espantos e carícias. Alegria, prazer. O português de Pequim sorve a língua da fada chinesa, de jade, menos fria, tão macia. Flutuamos ambos, como nuvens.

Lai Yong chega a casa, na Praia do Manduco, por detrás do templo da Barra, onde a deusa A Má, chegada da província de Fujian, de quando em quando, promete fortuna, paz e felicidade. A despedida, um beijo agora leve levado pela brisa da noite.

De regresso ao provisório lar, Bernardo escreve o seguinte poema:

Obrigado aos deuses,
deram-me o que eu não merecia.
No silêncio iluminado da noite de Macau,
o bem-querer dos amantes principia.
Em Santiago da Barra,
desagua um rio de ternura,
para eu navegar
no jade do mar, na tua formosura.

António  Graça de Abreu

 (Continua) 

(Seleção,  revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste poste: LG)

______

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de  2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25205: In Memoriam (498): Maria Júlia Lourenço Alves da Silva († Guifões - 23/02/2024), esposa do nosso camarada Abel Santos. Estará em Câmara Ardente a partir das 11 horas de domingo no Tanatório de Matosinhos e o seu funeral realiza-se na segunda-feira, dia 26, às 11 horas

IN MEMORIAM

Maria Júlia Lourenço Alves da Silva, esposa do nosso camarada Abel Santos


Caros camaradas e amigos
Faleceu há poucas horas a nossa amiga Maria Júlia, esposa do amigo e camarada Abel Santos.

De acordo com os nossos registos, a Maria Júlia esteve presente, acompanhando o Abel, no XI Encontro Nacional da Tabanca Grande em 2016. Enquanto o casal morou em Leça da Palmeira eram frequentes os contactos comigo ou com a Dina, fosse na rua ou em estabelecimentos comerciais, já que éramos vizinhos. Entretanto o casal mudou para Guifões e só quando era a Júlia a atender o telefone se entabulavam as conversas normais acerca da saúde. A notícia da sua morte apanhou-nos de surpresa.
Talvez por isso, ao receber a notícia pela voz do próprio marido, fiquei revoltado com as chamadas "voltas que a vida dá" e que nas horas difíceis não temos capacidade para aceitar.

Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande > 16 de abril de 2016 > Abel Santos, a esposa Júlia, ao centro, e a Dina Vinhal
Sanxenxo > 6 de Junho de 2015 > Passeio de barco nas Rias Baixas > Maria Júlia à direita e Dina Vinhal à esquerda 


- O Corpo da Maria Júlia estará em Câmara Ardente a partir das 11 horas do próximo domingo, dia 25, no Tanatório de Matosinhos.
- O funeral terá lugar, também no Tanatório de Matosinhos, na próxima segunda-feira, dia 26, às 11 horas.
- A Missa do 7.º Dia será celebrada no dia 29, quinta-feira, pelas 18h30, na Igreja Matriz de Matosinhos.


Ao nosso amigo Abel Santos, seus filhos, netos e demais família, a tertúlia deste Bog apresenta as mais sentidas condolências.

Permito-me deixar também por este meio o meu abraço solidário ao Abel e a minha disponibilidade para o que ele achar necessário.


Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último post da série de 14 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25171: In Memoriam (497): Maj Inf ref, Humberto Trigo de Bordalo Xavier (1935-2024): missa de corpo presente, amanhã, pelas 11h00, na igreja de Santa Cruz, em Lamego, seguindo depois o funeral para o crematório de Mangualde

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente



Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guiné-bissau-car (o anúncio ainda lá estava esta manhã) (reprodução com a devida vénia...)


1. Segunda e última parte de um texto relativo a um maço de cerca de 4 centenas de aerogramas que apareceram recentemente no OLX para venda. O vendedor fez uma  oferta de 470 € ("negociável). É do Porto, Campanhã.

Escrevemos (*): 

"É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" 

Afinal, o lote ainda estava "on line" esta manhã (para o caso de haver algum comprador interessado...), não tendo por isso mudado de dono. (Quando mudar, que fique ao menos em boas mãos.)

Em todo o caso, convém referir que todos os aerogramas que escrevemos, durante os anos de 1961 a 1975, a terceiros (esposa, noiva, namorada, madrinha de guerra, pais, irmãos, amigos, vizinhos, colegas,  camaraadas, etc.) não nos pertencem. Nem, na maior dos casos, sabemos agora por onde param.

Há, por isso,  sempre o risco de ver a nossa vida íntima daquele tempo, na "praça pública", no OLX, na Feira da Ladra (Lisboa), na  Feira da Vandoma (Porto), nos antiquários, nos alfarrabistas, nas redes sociais, etc.

Os nossos aerogramas podem ter (e têm) interesse documental, do ponto de vista das ciências sociais e humanas (da linguística à história, da etnologia à sociologia, etc, ). Por isso, fica aqui mais um apelo para tentarmos recuperar, salvar e fazer a sua doação ao Arquivo Histórico-Militar. (Mas os nossos leitores podem também mandar cópia digital de alguns, de maior interesse, para publicação no nosso blogue, que é de todos. )

Segue-se, a título meramente ilustrativo, didático ou pedagógico, a reprodução de três excertos de um ou ou mais dos aerogramas acima referidos, a partir da amostra que o vendedor facultou no OLX (que, como é sabido, é uma empresa global de comércio eletrónico, sediada em Amsterdam, Países Baixos, fundada em 2006, está presente em cerca de meia centena de países; publica anúncios classificados na Internet, em geral oferta de coisas em segunda mão, desde livros a mobiliário).

2.  Desconhecemos quem é a destinatária destes aerogramas, tal como não sabemos a identidade do remetente... Pelo teor dos mesmos (ou dos escassos fragmentos de que dispomos),  a destinatária é uma jovem rapariga, menor, de 18/19 anos, namorada ou madrinha de guerra do nosso "Lassa", ex-1º cabo radiotelegrafista, que fez a guerra em Cufar, região de Tombali, entre 1965 e 1967. Era alguém das relaçóes próximas do remetente, vivendo com os padrinhos deste...

Com a 4ª classe de escolaridade (naquele tempo), o nosso "Lassa" evidencia uma boa  caligrafia, escreve com desenvoltura, com um estilo onde se reconhece facilmente a  oralidade dos meios rurais (talvez nortenhos). Tivemos que recorrer aos parênteses retos para recuperar uma ou outra palavra cortada nas imagens. Um ou outro erro ortográfico ou de gramática também foi corrigido por nós. Mas, no essencial, fizemos questão de manter a pontuação e a ortografia originais. O autor fala da sua vida como operacional (os radiotelagrafistas saíam para o mato mas ele também era "eletricista" no qurtel de Cufar, ainda sem luz!) e das suas relações  com a sua correspondente (e confidente). No primeiro fragmento (aerograma datado de Cufar, 17 de maio de 1965)  há uma breve mas dramática  descrição da Op Razia (Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965) sem, todavia, mencionar o seu nome (mas  só pode ser esta).

***
Cufar, 17 maio 1965.

Meu Amor:

Ao principiar este, faço votos para que os padrinhos se encontrem de óptima saúde, que eu, com a graça de Deus, cá vou andando.

Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. Mas também, mais dia menos dia, veremos (…)

***

(...) Sinceramente, não gosto disso, mas tu é que sabes o que queres e, além disso, já vais fazer 19 anos. Espero também agradecer-te os aerogramas que dizes me vais mandar. Para a próxima vez já não volto a pedi-los a meu pai para ele não te dizer nada. Julgo que, embora o meu pai não [pudessel] ainda havia mais pessoas em casa para os mandar. Mas o meu pai é destas graças.

Também já me esquecia de te agradecer a tua foto que me tinhas prometido. Embora ainda não tivesse chegado, agradeço-te na mesma. O meu oferecimento continua de pé. Quando receber uma fotografia [tua], envio duas minhas. Sem receber nenhuma, também não te mando.

Quanto ao aerograma que me mandaste, o que até tinha umas linhas a “VERMELHO”, ainda não o li nem sei quando terei paciência para o ler. No entanto, está aqui de lado para quando eu tiver disposição.

Junto te envio uma pequeno cartão de aniversário, já que não pode ser melhor. Faço votos para que esse dia para ti seja feliz, e te decorra da melhor maneira na companhia de familiares e amigos. Desculpa não te mandar uma minha de prenda, mas como tu também não te importas de fazer, acho que não vale a pena eu fazê-lo. Por agora (…)

***

(...) É certo que tenho algumas vezes que sou eu que, com esta vida, não tenho [paciência] nem cabeça para escrever. Ainda esta semana o tempo que tive […], foi a mesma coisa, pois eu presentemente tanto sou radiotelegrafista como sou também electrecista. Como aqui não há luz, eu é que tenho andado a montar [a rede], mas esta semana já chega uma equipa de engenharia para me auxiliar nestes trabalhos. Entretanto, eu cá vou me desenrascando […], e é também uma maneira de passar melhor o tempo.

Aém disso, que não é tudo [?], ainda tenho as saídas para o mato que, apesar de eu já ter feito sete, com a [graça] de Deus tudo tem corrido da melhor maneira e na minha companhia ainda não temos nenhum ferido, pois também ainda não tivemos nenhum ataque.

Mudando agora de assunto e dizendo-te antes que me fizeram aqui um concurso para atribuir um nome à nossa cantina. […] Quando,  ao fim de um mês, se foram ver os nomes, fui eu que ganhei, com o nome de “GUERRA E PAZ”. Ainda não recebi o prémio, segundo dizem parece ser uma cerveja, o que é sempre melhor que [nada].

Quero desde já perguntar de como vai  ultimamente a saúde da madrinha, já está melhor, já pode comigo ao colo? Isso é que é preciso, para quando eu aí chegar ela me levantar ao ar. 

E tu, amor […]

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG.)

(PS - Perdi uma manhã inteira a fazer este poste, no mínimo foram 6 horas de trabalho intenso; a escrita dos aerogramas teve de ser lida, com lupa (!), ditada para o gravador do meu PC, que processou depois o texto, e que eu tive naturalmente de rever; os robôs ainda não fazem blogues, mas é só uma questão de tempo e nessa altura reformo-me mais o Carlos Vinhal.)


2. Comentário do editor:

A operação aqui referida é a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue a esta dura batalha em que o PAIGC sofreu um grande revés (**):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação "Razia", com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o ln opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a "base de
Cufar Nalu", no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados
vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o ln estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens;
a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito
difícil a sua localização." (...)

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 14/315
____________


(**) Vd. postes de;

22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...

31 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10599: (In)citações (43): Recordando coisas da Guiné (Manuel Lomba)

19 de dezemb5ro de 2010 > Guiné 63/74 - P7474: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte I) (António Clemente)

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas







Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car (a página já não existe) (reprodução com a devida vénia...)


1. O nosso querido amigo e camarada Mário Beja Santos, nosso correspondente permanente (que é um verdadeiro "rato de biblioteca", no bom sentido do termo) mandou-nos esta "preciosidade"  

Data - segunda, 15/01/2024, 13:58

Assunto - Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas Campanhã • OLX Portugal

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car

Abrimos o link, no portal do OLX (passe publicidade..., é um sítio "on line", uma verdaderia "feira da ladra digital"  onde tudo se compra e vende: velharias, livros, móveis, documentos, etc.), e fomos saber algo mais :

Anúncio publicado em 2 de janeiro de 2024

Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas 

470 € | Negociável

Descrição:

"Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. E m bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291.

O anúncio estava "on line" esta manhã... Depois do almoço já não consegui abri-lo. O maço de aerogramas já tem outro dono... Esperemos que os saiba estimar e faça bom uso deles...


2. Comentário do editor LG.:

É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)

O remetente pode já ter morrido. Os aerogramas foram remetidos a uma senhora que ele tratava (pelo que conseguimos reconhecer nalgumas imagens de que fizemos um "print screen", com pouca resolução) como "menina", "meu amor", "minha mulherzinha"... Tanto podia ser uma namorada, como uma esposa ou até uma madrinha de guerra...  

Muito provavelmente,  um dos dois terá morrido e os herdeiros "mandaram para o lixo" ou puseram à venda na "feira da Vandoma" o maço de aerogramas...agora na posse de um tal Jorge, de Campanhã, Porto, que os quer vender por 470 euros (valor "negociável").. Aliás, a esta hora, já os vendeu..

Fica aqui mais uma veemente  apelo: camaradas e amigos, não mandam para o lixo as vossas cartas e aerogramas, dirigidas em muitos casos "às nossas mulheres que, afinal, também foram à guerra"... Façam-nas chegar aos vossos netos, bisnetos e trisnetos... 

Recorde-se que a nossa amiga  Alice Carneiro disponibilizou a sua coleção de cartas e areogramas da guerra colonial (cerca de três centenas e meia, que lhe foram envidadas por irmãos, familiares, vizinhos, "afilhados", etc., dos três teatros de operações da guerra colonial) para um projeto de investigação, chamado FLY. Todos os documentos foram devidamente digitalizados, sendo depois devolvidos à proprietária (e, no caso das cartas do mano, José Ferreira Carneiro, fiel depositária). 

Citámos aqui, há uns anos, a investigadora e doutoranda Leonor Tavares, da Equipa FLY, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (*):

(...) "O projecto FLY - Cartas Esquecidas (1900-1974) é um projecto que procura recolher, digitalizar e editar cartas do século XX dos contextos de prisão, exílio, guerra (colonial e mundial) e emigração. Este projecto continua o projecto CARDS - Cartas Desconhecidas (1500-1900) que já conta com 2000 cartas transcritas. Os dois projectos estão neste momento parcialmente disponíveis no site http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/.

"O objectivo do projecto FLY é recolher e editar 2000 cartas dos contextos referidos, sendo que se estipulou um total de 700 cartas para o contexto da guerra colonial. Este arquivo digital (composto pelas 2000 cartas do projecto CARDS e as 2000 do projecto FLY) estará disponível para investigadores de várias áreas (principalmente as áreas da Linguística, da História e da Sociologia), para que os documentos (as cartas) sejam imortalizados como objectos históricos de grande relevância linguística. Os estudos que podem ser feitos a respeito deste tipo de documentos compreendem, entre muitas outras hipóteses, aspectos relacionados com a sintaxe, a fonologia, a pragmática, a história cultural e/ou social e aspectos da sociologia das migrações, das desigualdades e classes sociais.

"O projecto FLY compromete-se a omitir todos os dados pessoais dos intervenientes nas cartas, nas transcrições e nas imagens disponibilizadas on-line. (...)".

Recolha de cartas portugueses do Século XX (1900 a 1974) > Apelo

“Se guarda em sua casa cartas particulares e deseja que ela sejam dignificadas enquanto objeto de conhecimento, por favor contacte os investigadores do projeto FLY 1900-1974 (Cartas Esquecidas).”

Rita Marquilhas
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
Avenida Professor Gama Pinto, 2, 1649-003 Lisboa
Telefone : 21 790 49 57 | Fax : 21 796 56 22

Email : fly@clul.ul.pt
Endereço do site : http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/

(Parece-me que o projeto já acabou em meados de 2013. 

Descrição:

O projeto FLY 1900-1974 corresponde a uma campanha de recolha, edição eletrónica e estudo interdisciplinar de um conjunto de documentos do século XX produzidos na esfera privada e escritos por autores de todos os estratos sociais. Trata-se de uma amostra de 2.000 cartas portuguesas compostas em contexto de guerra, emigração, prisão ou exílio entre 1900 e 1974, amostra essa que tem o duplo formato de corpus linguístico e de edição crítica disponibilizada na internet e comentada nas perspetivas histórica, linguística e sociológica. O FLY oferecerá ao público neste endereço, e até finais de 2013, a edição electrónica de 2.000 cartas particulares do século XX acompanhadas de indexação linguística, histórica e sociológica.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24642: Manuscrito(s) (Luís Graça) (228): Uma romã e um cacho de uvas douradas, para ti, querida Nita(s), com a nossa (e)terna saudade

 

Foto nº 1 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023) (*)

Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), a Mi (cunhada) e a Chita (Alice, irmã)

Foto nº 3 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (1)...



Foto nº 4 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (2)...



Foto nº 5 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Os cachos  (arinto / pedernã) que a Nita(s) adorava apanhar...


Foto nº 6 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindimas...Este ano começou a vondimar-se mais cedo, foi um ano "atípico", diz o nosso engenheiro e enólogo... Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos..., para dar uma mãozinha.


Foto nº 7 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindima...Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos... Filhos, sobrinhos/as, sobrinhos-netos...


Foto nº 8 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Antigamente acarretava-se os "cestos de vime" às costas até ao lagar... Hoje, felizmente, o trator alivia-nos as costas...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Tud0 gente da casa, da 2ª e 3ª geração...



Foto nº 10  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Cestos (de plástico...) cheios de uvas de castas (loureiro, avesso, algum alvarinho...),  que amadurecem mais cedo.


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 9 de setembro de 2023 > A "romãzeira da tia Nita(s)", na borda de um dos nossos campos... (Nome científico: Punica granatum)


Foto nº 12  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > As primeiras romãs maduras para a "tia Nita(s)" com a nossa (e)terna saudade...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Amigos e camaradas, deixem-me falar de outra das minhas geografias emocionais, que é Candoz, a Quinta de Candoz, ou Tabanca de Candoz, como eu também gosto de lhe chamar.  

Há quase meio século, desde 1975, que venho aqui, à casa  e à terra onde nasceu a mãe dos meus filhos. Por herança (e opção), somos sócios da Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal).  Havia momentos especiais do ano, festivos, em que não podíamos faltar: o Natal,  a Páscoa, as vindimas... Mesmo estando longe, a 350 km de distância, eu, a Alice, os nossos filhos, procuramos estar aqui em Candoz nessas datas...

As vindimas são um momento mágico e agregador das famílias que nasceram no campo e sempre conviveram com a terra e a vinha. Mesmo quando se partia para a cidade (Porto, Lisboa) e depois para o Brasil, a França e a guerra em África, Moçambique e Angola (como foi o caso dos très rapazes da família),  quem podia vir, vinha dar uma ajuda quem não podia vir, escrevia cartas ou aerogramas cheios de saudade...  

Dos seis filhos do casal José Carneiro e Maria Ferreira, quatro (três raparigas e um rapaz) decidiram constituir, nos anos 80, a Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal) e constuir uma vinha inteiramente nova, nos solcalcos roubados ao longo dos séculos à floresta de carvalhos e castanheiros, sustentados por grossos muros de pedra, e que está na família Ferreira Carneiro desde pelo menos os primeiros decénios do séc. XIX. 

Era uma pequena exploração familiar projetada, há 40 anos, para produzir no máximo 20 pipas (c. 15 toneladas de uvas),  de vinho verde branco, das castas arinto/pedernã e azal (maioritariamente, mas também com videiras  de loureiro, alvarinho e avesso), a uma cota entre os 250 e 0s 300 metros acima do nível do mar.

Durante estes anos todos a nossa Nita (para o marido e os filhos) ou Nitas, a "tia Notas" (para os restantes familiares e amigos) foi a "alma" desta pequena comnunidade. A morte, traiçoeira, levou-a aos 76 anos, depois de trabalhar uma vida inteira como engenheira química no laboratório do Departamento de Engenheiria Química do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto (*)

Este  é o primeiro ano que fazemos a vindima sem a sua presença física. Nas duas primeiras fotos acima, de 18 de setembro de 2020, ela já sabia o diagnóstico da doença que a haveria de matar, e a que não teria sido alheia a exposição profissional a substàncias cancerígenas.  Estóica e digna na doença, e ainda em tempo de pandemia de Covid-19, a Nita(s) não deixava de nos brindar com o seu sorriso luminoso, a sua gentileza, a sua fotogenia, o seu carinho , a ternura, o amor, o desvelo, a entrega, a generosidade e a alegria que sempre pôs em tudo o que fazia,  bem como nas relações que mantinha com  os outros. 

Foi fada e rainha deste lar.

Estas primeiras fotos da primeira vindima de 2023 (vamos fazer três, e no próximo fim de semana a maior) é dedicada à nossa querida Nita(s), figura tutelar da nossa Quinta de Candoz. Para ela vai um cacho de uvas douradas e a primeira romã madura que colhemos da sua romãzeira. (**)

________

Notas do editor:

(*) 26 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)

(**) Último poste desta série : 18 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

 


Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 14 de agosto de 2018 > Paisagens jurássicas > A Alice, ao fundo, virada para as Berlengas, o Cabo Carvoeiro, o forte de Paimogo...  


Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Querida Chita:

 Há dias escrevi uns versinhos,

por ocasião da efeméride do nosso casamento,

em 7 de agosto de 1976, 

versinhos esses que não cheguei a acabar (*)…

Acabo-os hoje, no dia do teu 78º aniversário (**):

 

Há já quarenta e sete

Que estamos os dois casados,

Mas um só,  de namorados,

Que fique aqui de lembrete.

 

Teve momentos bonitos,

Alegrias e tristezas,

Dúvidas e incertezas,

Sorrisos e alguns gritos.

 

Eu não estou arrependido,

Feito o deve e o haver,

Que posso amanhã morrer,

Fica aqui o registo devido.

 

Gostei do nosso casório,

Lá na Quinta de Candoz,

Com os pais,  manos e nós,

Só faltou o foguetório.

 

E tu também, aposto,

Com o "anho" à maneira,

Houve “bailo” lá na eira,

 Nesse querido mês de Agosto.

 

Tu escolheste a pousada,

Lá no alto do Marão,

Eu roubei teu coração,

Tu dizes que foste enganada.

Querias Braga para morar,

Ou o Porto, ali mais perto,

Não, eu não fui mais esperto,

Se a Lisboa fomos parar.


São teus filhos alfacinhas,

De Lisboa gostam de sê-lo,

O teu amor não vão perdê-lo,

São eternas criancinhas.

 

E, a juntar à Joana e João,

Há agora uma Clarinha,

Que, diz a avó, babadinha,

Não lhe cabe no coração.

 

Setenta e oito degraus,

Muitos anos e canseiras,

Mutos erros e asneiras,

Nesta escada de calhaus.

 

Não vale a pena parar,

A vida é p’ra se viver,

Com momentos p’ra sofrer,

É tudo sempre a somar.

 

Se for a dois, tem mais graça,

Tu e eu, mesmo de muletas,

Fui-me abaixo das calhetas,

Tenho esperança, isto passa.

 

A melhor prenda que te dei,

Foi ontem os seiscentos passos,

Para ti podem ser escassos,

Mas foram os que eu andei.

 

Do ginásio ao café,

Sem muletas nem encosto,

Deu-me ânimo e gosto,

Ter andado tanto a pé.

 

E p´ró ano, fica agendado,

Irmos a uma ilha, os dois,

Mas sem muletas, pois, pois,

Provando que estou... curado.

 

Teu Nhicas.

 Praia da Areia Branca, 7 e 18 de agosto de 2023.

 

_______________

Notas do editor:

(*) +Ultimo poste da série > 12 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24550: Manuscrito(s) (Luís Graça) (226): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IVB: Enfermagem, Misoginia e Sexismo

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24562: Parabéns a você (2194): Maria Alice Carneiro, amiga Grã-Tabanqueira